Tese sobre Fotojornalismo PG9

greenspun.com : LUSENET : PhotoArt Forum List : One Thread

Jbnio Quadros, que ja experimentara essa problematica logo no inmcio de seu mandato, nco teve outra alternativa a nco ser recorrer ao FMI, pois o aval dessa instituigco era indispensavel para os credores, a fim de formalizar a proposigco de nosso pams em executar um programa de ajuste econtmico mais ortodoxo. O programa de Jbnio ja tinha sido endossado e entrara em pratica, mas quando comegaram a se sentir seus efeitos recessivos, o presidente nco teve dzvidas: renunciou.

Goulart, que assumiu o comando da nagco com seus poderes reduzidos, se deparou com os credores em total estado de desagrado. As negociagues teriam que ser tomadas, mas os credores nco viram com bons olhos os conflitos polmticos que precederam a posse do novo presidente. Nco deixaram, tambim, de observar a sua "conduta esquerdista", antipatica aos banqueiros internacionais.

Nenhum de nossos presidentes do permodo pss Segunda Grande Guerra se propts a ptr em pratica um programa severo de antiinflagco. Getzlio e Juscelino tinham metas de desenvolvimento que nco necessitavam do endosso da ortodoxia, pois conseguiam manter a economia em marcha sem concordar com programas de estabilizagco tutelados pelo FMI. A nossa economia, que durante o permodo de 1949 a 1959 detectava mndices inflacionarios entre 12% e 26%, em 1960 se depararia com a nossa sociedade escandalizada atingindo a cifra de 39,5%. Nesse sentido, Goulart nco tinha tempo a perder, ja que a economia herdada nco contava com o mmnimo de folga.

No final de 1962, a inflagco e a balanga de pagamentos tinham atingido nmveis intoleraveis. Goulart convoca os melhores intelectuais da esquerda moderada, San Thiago Dantas e Celso Furtado. Ja no inmcio de 1963, ambos apresentam um programa de estabilizagco que conta com a aprovagco tanto do FMI como do presidente Kennedy. Os credores, porim, ainda estavam desconfiados com a influjncia da esquerda, e foram mais exigentes. Cada empristimo concedido ao Brasil estava vinculado ` dependjncia dos progressos demonstrados na implementagco do programa de estabilizagco.

Os nacionalistas radicais tambim responsabilizaram o FMI e o Banco Mundial por manterem as nagues em processo de desenvolvimento, como o Brasil, em permantente subordinagco econtmica. O Banco Mundial ja havia suspendido todas as linhas de empristimo ao Brasil, por nco concordar com a conduta polmtica que orientava a campanha da industrializagco. A ortodoxia do FMI queria polmticas monetarias e fiscais mais rigorosas, que o Brasil rejeitara por serem inadequadas ` sua realidade econtmica. E, sem a tutela do FMI, o pams nco poderia obter ajuda de seus credores.

Por outro lado, o projeto Dantas Furtado deixara indignadas as bases do eleitorado de Goulart, ou seja, os sindicatos. Em fungco disso, o presidente, ja em meados de 1963, passou a defender com todo o seu esforgo um pacote denominado "reformas de base", constitumdo de reforma agraria, educagco, impostos e finalmente habitagco. Segundo Goulart, o impasse na balanga de pagamentos e a inflagco eram os sintomas mais imediatos da crise, e a sua solugco estava na aprovagco de suas reformas. A oposigco, predominada pela UDN e pelos militares, nco acreditava na possibilidade desse pacote ser posto em pratica. Ela se encontrava empenhada em desviar a opinico pzblica e preparar o seu espago para a tomada do governo pelo nacionalismo radical, que subverteria a ordem constitucional de dentro para fora. De fato, os opositores ja estavam acusando Goulart de ter violado a Constituigco de 1946, "fato que por si ss o privava da legitimidade constitucional". (Skidmore, 1989, p.39)

Os segmentos contrarios a Goulart cogitavam o recurso do "impeachment". Mas as vias de fato exigiam a maioria dos votos da Cbmara dos Deputados, coisa que as forgas combativas nco possumam. Para os militares contrarios ao presidente, estabelecia-se uma grande questco: queriam afasta-lo pelos seus supostos atos de ilegalidade, mas nco tinham respaldo legal para ir em frente. No entanto, esta nco seria a grande dificuldade, dado ` experijncia acumulada ao depor Getzlio em 1945 e novamente derruba-lo em 1954. Dessa forma, a falta de maioria parlamentar nco seria obstaculo para seus opositores, que tambim contavam com a atuagco da imprensa de grande influjncia como O Estado de S. Paulo, Correio da Manhc, O Globo e Jornal do Brasil.

No inmcio de 1964, Goulart se encontrava cercado e pressionado por todos os lados. Nco havia esperangas de aprovagco, pelo Congresso, de suas reformas, muito menos ainda da reforma agraria. Na tentativa de obter respaldo popular, marcou uma sirie de comicios atravis do pams. Com isso, o presidente tomava uma decisco muito importante: desafiava o Congresso e os adversarios de suas reformas.

Ja no final de margo de 1964, as tensues polmticas haviam atingido seu apice. Goulart participava de uma sirie de comircios ruidosos anunciando sucessivamente novos decretos e, em resposta, a conspiragco civil-militar se articulava com maior intensidade. O General Castelo Branco, que coordenava o recrutamento de oficiais para o golpe, concluiu que a guinada de Goulart para a esquerda havia minimizado seu trabalho. Porim, as resistjncias ainda eram muitas, devido ao fato da maioria dos militares nco querer estar nas primeiras fileiras a aderir ao movimento, com medo de que este fracassasse, e muito menos nos zltimos lugares, com receio de que fosse vitorioso. No entanto, nos zltimos dias de margo, a conspiragco, que comegara com alguns militares da mais alta patente, logo contou com o apoio da maioria. Nco houve luta, apesar dos apelos ` resistjncia no Rio, por parte do ministro da Justiga, Abelardo Jurema, e, em Brasmlia, por parte do chefe do Gabinete Civil, Darcy Ribeiro. A convocagco de uma greve geral pelos dirigentes da CGT caiu no vazio. Por outro lado, o presidente e seus nacionalistas perceberam que a mobilizagco popular promovida pelos mesmos dera em nada. E, como nco podia deixar de ser, obedecendo aos mesmos rituais de 1954, mais um governo populista fora derrubado pelas Forgas Armadas.

Assim, a destituigco de Joco Goulart foi decorrjncia de uma operagco militar. As forgas civis contrarias a seu governo nco tiveram como impedir o curso para uma trilha nacionalista radical. Entretanto, uma guerra civil camuflada ja podia ser percebida, com a presenga de brigadas paramilitares anticomunistas de Sco Paulo, como o MAC e o CCC, perseguindo lmderes estudantis de esquerda, e latifundiarios contratando jagungos para executarem os dirigentes do campesinato. Mas estes fatores nco seriam suficientes para derrubar um governo com poderes ja em vias de consolidagco.

Segundo Samuel Wainer, na ipoca da morte de Getzlio, "o Estado-Maior do Exircito estava preocupado com o estado de exaltagco popular e, chegara ` conclusco de que a Zltima Hora tanto poderia excitar os bnimos, quanto ajudar a conta-los. Assim, os militares pediam que publicassemos em editorial exortando ` pacificagco dos espmritos... Os militares lacerdistas estavam prontos para dar o bote e fechar meu jornal tco logo surgisse alguma chance. Naqueles tragicos idos de agosto, porim, eles compreenderam que precisavam da minha ajuda para evitar o pior". (Wainer, 1987, p.207)

Por ocasico da morte de Getzlio, tanto as forgas armadas como os mais variados segmentos da classe dominante, nco puderam negar a necessidade de apelar para o discurso fotojornalmstico, para a sua mensagem instantbnea e de facil leitura, a fim de conter as multidues enfurecidas, que clamavam por vinganga, promoviam saques e depredagues, querendo agugar a revanche.

A partir de meados do governo de Juscelino, o pams passaria por uma sirie de profundas transformagues. As imagens veiculadas tanto pela imprensa paulistana de prestmgio, como pela prspria imprensa popular, evidenciariam que, alim de acirrar tensues ja existentes, criariam outras, levando o populismo ` liquidagco e o pams a uma nova etapa. De fato, as fotos que evidenciavam a presenga das classes populares foram integralmente substitumdas pelas de construgues faratnicas, e/ou pelas imagens que ostentavam a "nossa verdadeira revolugco industrial". Com a queda de Goulart, a imprensa evidenciara a relativa fraqueza das forgas civis adversarias do presidente, e passara a veicular fotos de oficiais de alto nmvel e suas respectivas mobilizagues, endossando a linha de pensamento militar, segundo a qual somente a intervengco das Forgas Armadas poderia salvar o Brasil de uma prolongada guerra civil. E i justamente nos momentos de crise polmtica que vamos nos deparar com o fotojornalismo na sua condigco de mediador privilegiado entre o fato e a sua versco.

B) Estado Militarista e o Fotojornalismo

Os rebeldes civis e militares que depuseram Goulart em 31 de margo de 1964, tinham dois objetivos muito distintos: o primeiro era o de neutralizar a tatica comunista e conquistar o poder, preservando as instituigues militares. O segundo era o de resgatar a austeridade e a ordem, de forma a se poder executar reformas legais ` sua maneira e dentro de seus propssitos. O primeiro, conforme presenciamos, foi facil; ja o segundo seria muito mais difmcil.

O primeiro passo dos conspirados, apss a vitsria das Forgas Armadas, foi assumir a presidjncia e a ampla estrutura executiva subordinada a ela. Os militares exigiam que fosse facilitado o acesso para a posse de um novo presidente que eles prsprios indicariam, obviamente um general. Os revolucionarios nco queriam dar continuidade ` esquizofrenia do permodo imediatamente anterior.

O direito ` sucessco pertencia aos militares. A maioria dos oficiais, conhecidos como membros da "linha dura", continuava inflexmvel: queria deter o mais rapido possmvel a roda viva que vinha girando desde a queda do Estado Novo, em 1945, "em que as perisdicas intervengues militares eram seguidas pelo rapido retorno dos civis ao poder". (Moura Andrade, 1985, p.247) A czpula da linha dura acreditava que esta tatica nco tinha apresentado resultados satisfatsrios, e por isso descartava as eleigues diretas presidenciais ati que eles prsprios conseguissem efetivamente mudar as regras polmticas.

O presidente em exercmcio, Ranieri Mazzilli, em sintonia com a nova ordem militar, nomeava esses trjs militares como ministros de seu governo. Ja em 7 de abril, os novos titulares comegaram a exigir publicamente uma legislagco de emergjncia, que suspendesse os procedimentos legais, com o intuito de realizarem expurgos tanto no servigo pzblico, como na area militar, e mesmo entre os ocupantes dos cargos eletivos em todos os nmveis.

Os trjs ministros militares, ignorando qualquer iniciativa por parte do Congresso, ou das atitudes dos polmticos, em 9 de abril elaboraram e anunciaram o seu prsprio "Ato Institucional", que seria acompanhado por varios outros. Em outras palavras, a revolugco vitoriosa ligitimava-se a si prspria. O Congresso, por sua vez, recebia a sua legitimidade por meio desse "Ato", e nco ao contrario.

Segundo as premissas do prsprio ato, o aumento dos poderes do Executivo era imprescindmvel para a prspria reconstrugco econtmica, financeira, moral e polmtica da nagco. A meta, em outras palavras, era nada mais do que a de resgatar a ordem interna e o prestmgio internacional do pams, que ja se encontravam muito abalados na gestco anterior. Na realidade, este Ato Institucional nada mais foi do que a zltima resposta, dentro de uma sirie, ` crise da autoridade polmtica vivenciada pelo pams, desde a morte de Vargas. O entco presidente Jbnio Quadros, reclamava que lhe faltavam poderes suficientes para se relacionar com o Congresso. Goulart, que tambim deu continuidade ao mesmo tipo de queixa, chegou a sugerir um estado de smtio em outubro de 1963 (talvez quisesse aproveitar o momento para tambim comemorar a Revolugco Russa), e no inmcio de 1964, apresentou medidas mais concretas para fortalecer o Executivo. No entanto, Skidmore acrescenta que "o Supremo Comando Revolucionario de 1964 adotou, contudo, uma tatica diferente. Nco tentou observar as regras da polmtica democratica, como fizeram seus antecessores, mas unilateralmente mudaram as regras". (Skidmore, 1989, p.69)

De fato, o choque mais intenso incidiu sobre a presidjncia. Neutralizando a Constituigco de 1946, que deixava os membros militares inelegmveis a cargos eletivos, o Alto Comando determinou a eleigco do candidato sintonizado com a diretriz das forgas armadas e dos governadores contrarios a Goulart. O candidato, como era de se esperar, foi Castelo Branco, coordenador da conspiragco militar, escolhido pela maioria do Congresso, constitumda de revolucionarios civis e militares.

Vimos, no decorrer dessas explanagues que a evolugco das super-estruturas ocorre muito mais lentamente em relagco `s infra-estruturas, e foi preciso esperar ati 24 de agosto de 1954 para que as modificagues introduzidas no fotojornalismo a partir de 1945, com a queda do Estado Novo, com o tirmino da Segunda Grande Guerra, e com o processo de democratizagco, produto das influjncias brasileiras e estrangeiras, fizessem sentir seus efeitos em todos os dommnios da cultura. No entanto, com o advento da ditadura militar em 1964, presenciamos a completa inversco desses valores. A suspensco dos direitos civis de qualquer cidadco, da liberdade de imprensa, e varias outras medidas contrarias ` democracia, legalidade e ao prsprio estado de direito, contribumram diretamente para o amadurecimento precoce do discurso fotojornalmstico. Para poder se esquivar das garras da censura, ele teve que passar por profundas transformagues, deixando de ser explmcito, descritivo e meramente ilustrativo, para ser mais sutil, poitico e metafmsico. Se o permodo do governo de Juscelino levou o populismo ` sua liquidagco, descartando a presenga das classes populares no cenario polmtico brasileiro, evidenciando unicamente a minoria dominante que levou adiante a "verdadeira revolugco industrial" e a realizagco de grandes obras faratnicas, por outro lado o fotojornalismo do permodo militarista inicia uma fase de procura insaciavel de novas formas de linguagem para poder refletir a realidade com a maior fidelidade possmvel, e contando com o bom senso de seus leitores para interpreta-la da maneira correta, ja que os critirios de censura eram bastante rigorosos.

Contudo, nco devemos reduzir as novas conquistas da linguagem fotojornalmstica somente a este fato. O prsprio advento da televisco tambim seria vital para que a fotografia de imprensa fizesse uma profunda reflexco, sob pena de se tornar uma espicie de segunda via fatal. A imagem eletrtnica faria com que a imprensa dessa ipoca passasse a veicular informagues visuais que a prspria televisco, devido `s suas limitagues ticnicas e falta de mobilidade, nco conseguia registrar.

Outro fator ponderante que tambim contribuiu para a precoce emancipagco da linguagem fotografica, conforme ja mencionamos, foi a grande entrada do capital estrangeiro no pams, a partir do final da dicada de 1950, tendo como ponta-de-lanca a implantagco da indzstria automobilmstica. A estratigia adotada por Joco Goulart a partir de 1963, conhecida por "Nacionalismo Radical", que propunha uma frente de luta aos investimentos estrangeiros que aqui entravam, interessados em conquistar o monopslio do nosso mercado e remeter o maximo de lucro para as suas respectivas matrizes, em grande parte era procedente. Em outras palavras, o processo de concentragco desse capital pelas multinacionais, e por outro lado, o grande capital nacional que passou a absorver a pequena e midia iniciativa quando nco absorvidas ja pelas primeiras, resultaram no achatamento e proletarizagco da classe midia dessa ipoca. Esta classe, por sua vez, procurou outros meios para ascender socialmente, ou mesmo para preservar seu "status quo". Assistimos, entco, _ corria em larga escala `s universidades, gerando profissionais mais qualificados, que tambim foram absorvidos pelo fotojornalismo, com postura crmtica e nmvel intelectual mais elevado, substituindo, gradativamente, os antigos fotagrafos semi- alfabetizados e meros "apertadores de botco".

A conjungco de todos estes fatores condicionados ` sua especificidade histsrica nos levaria a compreender que foi a partir do fotojornalismo que a imagem fotografica teve condigues de exteriorizar toda a sua capacidade de transmitir informacues. E "para a estitica fotografica, o cotidiano i comovente". (Neiva Jr., 1986, p.67) Dessa maneira, conforme ja ocorrera na morte de Getzlio em agosto de 1954, durante o permodo militarista, o fotojornalismo passaria a responder a sua indignagco preenchendo uma fungco determinada e com caractermsticas prsprias. Sabemos que o impacto sempre foi seu elemento fundamental, e a informagc o sempre foi o seu dado imprescindmvel. Assim, a adaptagco das formas verbais de expressco, ja introduzidas no texto jornalmstico, com permitidas alteragues sintaticas, morfolsgicas ou mesmo foniticas, tambim estaria presente na narrativa fotojornalmstica, como tentativa de burlar a rigorosa censura dessa ipoca. As figuras "visuais" de linguagem, sutilezas e insinuagues que contavam cada vez mais com a participagco do seu mercado leitor, foram as caractermsticas mais tmpicas dessa fase. Outro fato importante a ser ponderado durante os momentos de repressco i que a produgco fotojornalmstica nunca foi obra de apenas uma znica pessoa. Esta era o resultado de uma infinidade de intervengues que se iniciavam com o fotsgrafo, passavam pelo laboratorista, pelos editores, paginadores, com o devido consentimento, implmcito ou explmcito, de seus proprietarios. Apesar da fotografia sempre carregar consigo a heranga da parte fragmentada de um trabalho do qual participam jornalistas de varias linguagens (escrita, grafica, qummica e fotografica), a produgco de um trabalho jornalmstico coerente ss atinge plenamente seu pzblico quando todos os que participam dela possuem clareza sobre a linguagem do jornal, da sua retsrica e dos seus limites de intervengco na vida polmtica e social. E essa experijncia pratica somente poderia ser possmvel nos momentos em que os militares se endureciam cada vez mais.

Contudo, os efeitos da emancipagco fotojornalmstica seriam melhor sentidos apss a ascensco de Ernesto Geisel ` presidjncia, cuja posse foi o ponto culminante de uma campanha minuciosamente preparada. Os castelistas, que haviam perdido o controle do Planalto em 1964, foram mantidos ` distbncia durante o permodo de Costa e Silva e Midici. Para eles, a preparagco do terreno para a retomada do poder nco foi tarefa facil, mas souberam como persistir. Com a indicagco do novo presidente militar, conseguiram amplo consenso das altas patentes das Forgas Armadas em torno de seu nome. Segundo o prsprio Skidmore, "foi a sucessco presidencial mais tranquila desde 1964". (Skidmore, 1989, p.315)

Geisel fora marcado por sua personalidade fechada. Seu jeito pessoal e autocrmtico de governar era justamente o contrario da aproximagco popular e da cordialidade, tmpicas do homem pzblico brasileiro. Como Castelo Branco, Geisel tambim detestava envolver-se pessoalmente em qualquer campanha de propaganda. As fotografias oficiais desse novo momento evidenciavam um presidente cuja postura austera era exatamente o oposto em relagco ` facil identificagco do seu antecessor, envolvido com os jogadores da selegco tricampec de futebol. Geisel tambim ficou marcado pelo perfil de perfeccionista, que se envolvia com os mmnimos detalhes administrativos. Em smntese, era um administrador polmtico de pulso duro, que tudo decidia por conta prspria,conforme atesta a produgco fotojornalistica paulistana dessa ipoca.

Geisel tambim nco deixou de considerar a distribuigco cada vez mais desnivelada dos benefmcios do crescimento econtmico. Embora este nco fosse seu objetivo prioritario, acreditava que uma distribuigco mais equilibrada seria decorrente da prspria abertura polmtica.

I notsrio que Geisel e Golbery desejavam abrir o regime autoritario que herdaram, o que, em smntese, era a vontade da maioria dos brasileiros. Numerosos jornalistas, intelectuais, estudantes universitarios e polmticos nco ss do MDB, como da prspria ARENA, tinham vagas nogues de como desativar o regime militar repressivo do pams. No entanto, o grande obstaculo ideolsgico ainda permanecia: como ultrapassar gradualmente o autoritarismo absoluto, representados pelo AI-5 e pela Lei de Seguranga Nacional para atingir o Estado da "democracia relativa"? O Estado militarista, desde o seu advento, apesar das discordbncias e contradigues internas, se manteve em pi gragas ` manutengco da unidade militar. Se esta unidade fosse abalada, os efeitos poderiam ser imprescindmveis. Se fosse preservada, o processo de tomadas, para melhor ou mesmo para pior, seria irrestrito. A compreensco, a partir do ponto de vista da oficialidade militar, exigia mntimo conhecimento dessa unidade. Os prsprios jornalistas tentaram, por infinitos meios, especular o estado de bnimo nos quartiis, mas a totalidade dos oficiais sempre se negou a emitir publicamente suas opiniues polmticas. Atrelados ` tradigco militar brasileira, procuram se proteger, nco fornecendo informagues sobre as divisues internas. E, sem estes dados, os polmticos civis nco tiveram meios de atingir um setor militar sequer, para servir `s suas ambigues.

Se o fotojornalismo, com o advento da televisco, sentiu-se acuado, ameagado de ser transformado na sua total redundbncia visual, o Estado militarista passaria a investir diretamente na midia eletrtnica por meio de campanhas "nacionalistas", com slogans minuciosamente elaborados por uma equipe de jornalistas, psicslogos e socislogos, como "Ninguim segura este pams" ou ainda "Brasil, conte comigo", da Assessoria Especial de Relagues Pzblicas (AERP), fundada em 1968, como instrumento de legitimagco do poder. O uso da televisco em campanhas promocionais nco era gratuito. O pams, subitamente, despontava como um dos mercados mais dinbmicos de televisco do terceiro mundo. A facilidade de compras a prazo ja tinha sido estendida aos receptores de TV tambim em 1968, e o grande pzblico passou a adquiri-los em massa. Por outro lado, quando Midici assumiu o poder, a Nagco possuma 45 emissoras de televisco licenciadas. Este concedeu mais 20 licengas, privilegiando a Rede Globo, fundada por uma potjncia jornalmstica conservadora. Com a ajuda financeira de Life-Time, e defendendo os interesses oficiais por meio da sua programagco, a Rede Globo logo se tornou lmder de audijncia em todo o pams.

As mesmas vantagens que os militares atribumam ` imagem televisiva, "de facil leitura e compreensco instantbnea", eram reprimidas no fotojornalismo, e, com maior intensidade, em relagco aos textos e artigos, pois receavam que o seu feitigo, uma vez recuperado e reciclado pela fotografia de imprensa, seria fatal ao seu feiticeiro, ja que grande parte dos fotsgrafos tinha formagco universitaria e, de algura forma, havia tambim participado dos movimentos estudantis.

A proposta de uma abertura lenta e gradual, iniciada com o governo Geisel, que se propunha a introduzir a "democracia relativa", modificando o aspecto administrativo, porim preservando a sua essjncia, tomaria um rumo mais acelerado a partir de 1977. E foi justamente a partir desse momento que o fotojornalismo evidenciaria, de maneira mais explmcita e direta, a existjncia de mudangas reais na estrutura polmtica brasileira. O discurso fotografico, que durante todos estes anos fora sufocado, tendo que se valer de inzmeros "disfarces" para nco se expor diretamente ` "caga `s bruxas", aproveitou-se dessa concessco, indo muito alim do permitido. De fato, os fotsgrafos souberam como tirar proveito desse processo de reabertura" e levaram muito mais adiante uma concessco que se pretendia favoravel exclusivamente ao poder. O regime, que pretendia utilizar essas imagens para se aproximar da populagco de maneira mais simpatica e, com isso, ganhar maior credibilidade e suporte social, para promover pequenas mudangas e a acomodagco de uma nova realidade, nco contava que elas pudessem trazer ` tona uma estrutura monolmtica que ja se encontrava irremediavelmente trincada.

Se o jornalismo escrito, agora sem a censura privia, esmerava-se no resgate de conceitos fundamentais ` cidadania e i retomada do estado de direito, por meios de analises mais completas e consistentes, por outro lado a fotografia revelava o interior dos bastidores, evidenciando a humanidade e fabilidade do poder. A ironia dos flagrantes desesperados, a revelagco do artificialismo polmtico de repetidas situagues, de fato aproximou mais a popularidade dos governantes, mas nco nos moldes que eles previam ou mesmo desejavam.

O fotojornalismo brasileiro, que desde o permodo populista, ati o processo de redemocratizagco, sempre procurou questionar os mitos da imagem oficial, bem comportada e artificializada, com o movimento das "diretas ja", deixaria ainda mais explmcito que cada brasileiro via em Tancredo Neves a encarnagco de suas aspiragues, o que lhe deu mais legitimidade do que a conferida a qualquer outro presidente eleito na histsria do pams.

C) Tancredo e o Processo de Redemocratizagco

Tancredo Neves, veterano polmtico, participou ativamente da polmtica brasileira desde a queda do Estado Novo, em 1945, ati os movimentos de redemocratizagco em 1985. Durante o golpe militar de 1964, se opts diretamente a essa nova administragco polmtica, denominando-a de "Estado Novo da UDN". O lmder da oposigco, na realidade, refletia o temor dos polmticos civis moderados dessa ipoca de um possmvel retorno do "fantasma de Vargas", que pudesse ressucitar e inspirar a construgco do novo Estado Autoritario.

Desde o princmpio, a importbncia da atuagco polmtica de Tancredo foi crescendo no cenario nacional. Durante este permodo, muitos dos seus companheiros e adversarios seguiram pelo mesmo caminho, sem, contudo, deixarem a marca da atuagco que difere o polmtico comum do estadista. Com a sua eleigco, o Brasil passaria a ter seu primeiro presidente civil de 1964, com a circunstbncia de ser "um homem da oposigco eleito por desertores do partido do governo". (Skidmore, 1989, p.491)

O trago caracteristico do perfil polmtico de Tancredo Neves refere-se ` sua capacidade de aprendizagem polmtica. E essa habilidade torna-se crucial a partir do momento em que a sociedade brasileira vai se tornando mais complexa, acarretando na proliferagco de situagues de divergjncia entre os distintos grupos de interesse. Dessa forma, este teve o priviligio de desenvolver seus potenciais em um permodo que em menos de meio siculo transformou a sociedade brasileira predominantemente agraria e rural em uma sociedade tipicamente urbana e industrializada. Nessas sucessivas transformagues, as diferengas de interesses tornaram-se mais complexas, gerando um grande incremento na competitividade. Os confrontos e contradigues ampliaram-se tanto nas relagues cidade-campo, como nas prsprias relagues polmticas e sociais no interior da sociedade rural decadente e da sociedade urbana ascendente, conforme ja analisamos anteriormente.

Nesse processo de aprendizado, Tancredo teve condigues de desenvolver suas "habilidades malabarmsticas" delimitado por dois pslos: a partir do universo das antigas oligarquias agrarias e dos modos tradicionais de organizagco da economia e das relagues sociais, e dentro dos interesses do Brasil contemporbneo, ja industrializado, no processo dinbmico de formagco de novos grupos polmticos nos nzcleos urbanos, nos parques industriais, nos sindicatos e nos partidos.

Pudemos, tambim, observar esse processo de aprendizagem polmtica de Tancredo de duas maneiras. A primeira, revela-se como imaginagco criadora aplicada ` construgco de modelos polmticos, que gera uma reflexco mais sistematica sobre novos princmpios constitucionais. A segunda manifesta-se por meio de proposigues estratigicas destinadas a assegurar uma solugco polmtica rotineira aos conflitos oriundos da convivjncia social. As duas maneiras desse aprendizado se complementam na dinbmica dos processos de mudanga da estrutura polmtica periodicamente vivenciada pela nossa sociedade.

O destaque de Tancredo na vida pzblica, desde 1945, foi consequjncia direta de sua habilidade de aprendiz da pratica polmtica. Ele a concebia como calculo da agco de grupos e como um constante processo de avaliagco da qualidade de diferentes estratigias para atingir resultados desejados. Porim, ao contrario de uma postura fria e calculista, esse conservador sempre buscou realizar-se como representante e negociador das alternativas de solugco de conflitos, dotado do maior potencial agregador e harmonizador de todos os interesses em confronto. Sua contribuigco sempre privilegiou a tarefa de elaborar condigues polmticas para a viabilizagco de aliangas aptas a permitir a realizagco de linhas eficazes de agco. Para Tancredo nco era difmcil reconhecer as premissas da melhor solugco possmvel para evitar um conflito. Sempre concebeu a polmtica como uma atividade de negociagco, de articulagco racional de solugues para os diferentes tipos de divergjncias que normalmente sco oriundas do convmvio social.

Tancredo sempre teve como princmpio recusar a violjncia e atitudes mais radicais como opgco para resolver qualquer tipo de problema. Sempre negou seu apoio aos golpes de Estado ocorridos durante a sua vida pzblica, conforme ja ilustramos anteriormente. Dessa forma, a jnfase atribumda ` estratigia da conciliagco, presente em cada ato, esteve sempre dirigida pela sua concepgco liberal de mundo, que sempre considerou ideal para organizar o sistema polmtico e orientar sua mecbnica. Ao optar pela fungco de estrategista, Tancredo entrava em sintonia com uma necessidade cada vez mais urgente na polmtica de nossa sociedade, em pleno processo de modernizagco. Crescia dam a importbncia de lmderes com maior habilidade na pratica de negociagco, ja que se proliferaram os focos de conflitos e contradigues que dependiam de respostas polmticas. A tarefa de criar ou de adaptar as instituigues, garantindo, ao mesmo tempo, a sua estabilidade e eficijncia, dependia, essencialmente, da qualidade das liderangas polmticas. A habilidade dessas liderangas para articular aliangas, com o intuito de negociar a implantagco do melhor modelo possmvel de convivjncia nos permodos de mudanga social, sempre constituiu um fator essencial no sucesso ou fracasso do povo como realidade histsrica. Estas caractermsticas, tmpicas de Tancredo, foram especuladas com maior intensidade pelo foto jornalismo paulistano ja em meados de 1984 com a sua candidatura para o coligio eleitoral.

Conforme ja abordamos no decorrer deste estudo, a partir da zltima administragco de Vargas, no inmcio dos anos 1950, o Brasil ingressou definitivamente na fase industrial. A princmpio, as mudangas decorrentes dessa nova ordem atingiram mais os centros urbanos do eixo Rio-Sco Paulo e parte do interior paulista. Contudo, ` medida em que a industrializagco avangava, acelerava o processo de urbanizagco e, consequentemente, os padrues de produgco, consumo e servigos. A economia rural tambim seria diretamente afetada, os modos tradicionais de produgco foram se adaptando gradualmente ` crescente demanda urbana e industrial por alimentos e matirias primas.

As mudangas no cenario econtmico do pams seguiam ritmo diferenciado nas varias regiues, obrigando a progressiva secularizagco de toda a sociedade. Os valores tradicionais de convivjncia social e polmtica foram se modificando, ` medida em que a expansco da nova ordem econtmica despertava novos interesses e impunha outros pontos de referjncia para o comportamento individual e coletivo. Com o inmcio da dicada de 1950, o pams transformou-se, irreversivelmente, em uma sociedade predominantemente urbana. As relagces sociais passaram a definir- se cada vez mais pelas exigjncias do espmrito competitivo, racional e organizado, tmpico das economias urbanas de mercado. Este processo de modernizagco nco atingiria homogeneamente todas as regiues e atividades humanas, mas converteu os empreendimentos e os estilos de vida no sudeste e sul do pams, onde o capitalismo se expandia de maneira mais rapida e uniforme.

A sociedade transformara-se, adquirindo uma estruturagco mais complexa. As oportunidades de novas iniciativas no setor econtmico conquistavam novos horizontes, impulsionadas pelos contmnuos estmmulos para o crescimento industrial e, consequentemente, o urbano. Os novos grupos de interesses, gerados pelo aproveitamento dessas oportunidades, foram gradativamente transformando o cenario polmtico, no sentido de ampliar esse tipo de participagco e de democratizar cada instituigco e o exercmcio do poder. Dessa forma, a sociedade se tornava cada vez mais pluralista, cada vez mais marcada pela dinbmica de mzltiplos interesses em confronto, demandava mudangas modernizadoras na estruturagco polmtica. Os efeitos dessas profundas transformagues ficariam mais evidenciados por meio do fotojornalismo, com o impacto das crises polmticas, como foi o caso das mortes de Getzlio e Tancredo, onde cada vemculo paulistano deixou transparecer nco ss as suas reais intengues, como tambim as suas taticas de intervengco na vida social.

Paralelamente ` implantagco da indzstria automobilmstica e inmcio da construgco de Brasmlia, a classe trabalhadora pleiteava que se assegurasse seu direito de participagco efetiva nas decisues de polmtica econtmica. Esperavam uma melhor distribuigco da riqueza nacional. "Retomavam, sem o saber, o tema ja longamente discutido pelo filssofo grego Ariststeles, para quem a estabilidade dos governos ss se consegue quando as instituigues polmticas baseiam-se numa sociedade sem grandes disparidades de riqueza". (Delgado & Silva, 1985, p.28) Os empresarios e latifundiarios sempre estiveram empenhados em preservar seu capital, e ao mesmo tempo, garantir plenas condigues para a expansco de suas riquezas. Para tanto, tinham que reduzir ao mmnimo qualquer promessa relacionada ` polmtica de distribuigco de renda, bem como o compromisso formal de melhoria do padrco de vida de toda a sociedade.

Dessa forma, os varios segmentos da sociedade, constitumdos pelas classes trabalhadoras, industriais, profissionais liberais, pequenos e midios empresarios e latifundiarios, ss o grupos heterogjneos, com interesses bem diferenciados. O pluralismo, decorrente da recente evolugco da nossa sociedade, origina-se justamente dessa disparidade que separa as classes populares da minoria dominante rural e urbana. Essas diferengas estco atreladas ` variedade de situagues a partir das quais cada segmento se organiza para o desempenho de suas atividades. E i a partir disso que reside o maior problema polmtico de uma sociedade pluralista que passa a visualizar na democracia o melhor modelo de convivjncia, ou seja, de como criar instituigues capazes de preservar a representagco de todos os interesses que aspiram a influir no processo decissrio.

Na dicada imediatamente anterior ao golpe militar de 1964, conforme pudemos constatar nas fotos de primeira pagina tanto dos vemculos de prestmgio paulistano (Folha da Manhc e O Estado de S. Paulo), como na prspria imprensa popular (Zltima Hora), presentes na morte de Vargas, o que estava sendo disputado no cenario polmtico brasileiro era, em smntese, a possibilidade de se chegar a um modelo democratico de convivjncia. Este deveria harmonizar os interesses divergentes embrionarios do prsprio processo de modernizagco do pams. A emergjncia do Estado militarista em margo de 1964 evidenciou o fracasso das propostas reformistas das instituigues polmticas. Nesse contexto, sobressaiu-se a alianga dos militares com a minoria empresarial dominante, interessada em implantar um modelo de desenvolvimento capitalista, que tinha por princmpio excluir grande parte da sociedade dos benefmcios gerados pelo crescimento econtmico. Da perspectiva do desenvolvimento polmtico, o permodo de intervengco militar representou profundo retrocesso no caminho da democratizagco de nossas instituigues. Estancou-se pela forga e pela ditadura um processo de aprendizado da prspria sociedade, que objetivava, na agco pratica dos confrontos polmticos, samdas mais democraticas de convivjncia e solugco de seus conflitos.

De fato, nenhum dos trjs partidos mais importantes, organizados a partir da queda do Estado Novo e dentro do espmrito democratico do pss guerra, o PSD, a UDN e o PTB, apresentou habilidade suficiente para absorver a dinbmica de diversificagco da sociedade. O sistema partidario em vigor no permodo entre 1945 e 1965 nco conseguiu sustentar os parbmetros do dialogo polmtico, ` medida em que os conflitos sociais tomavam maiores dimensues e, consequentemente, se intensificavam. A incapacidade das elites partidarias encontrarem uma solugco constitucional para a crise polmtica dentro do prsprio Congresso foi condigco preponderante para a vitsria do golpe militar.

-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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