Tese sobre Fotojornalismo PG8

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Contudo, o permodo do desenvolvimento reformista dos anos de 1950, trouxe para a equipe coordenadora das Folhas novas e inesperadas problematicas polmticas, sociais e econtmicas. "A politizagco do pams nco deixaria de atingir a redagco, muitos jornalistas procurando fsrmulas e interpretagues mais adequadas compreensco do processo histsrico". (Mota & Capelato, 1981, p.106) Alim da defesa da liberdade de imprensa, o jornal lutava pela liberdade de pensamento, em sintonia com a base ideal da democracia, direito inviolavel garantido pela Constituigco, conforme discursavam seus representantes. Tambim nesse contexto, entretanto, se colocava a questco do limite.

A concepgco de liberdade carregava, pois, o seu outro lado, a forga, a repressco como bem o demonstravam as afirmativas do vemculo. Na doutrina liberal de Locke, a questco da liberdade nco colocada abstratamente. Emerge atrelada a "certos homens", ou seja, os proprietarios. Os que, "desprovidos de razco", colocavam em risco a ordem estabelecida, e a estes caberia a repressco. No caso do jornal, que sempre defendeu os interesses da classe dominante, seu conceito de liberdade estava essencialmente embasado no pensamento empmrico desse filssofo ingljs.

Em nome da "opinico pzblica", dos interesses da coletividade", a partir de 1945, com a queda do Estado Novo, o jornal se langa no debate polmtico motivado pelo processo de redemocratizagco, e a sua atuagco passa a se caracterizar pela luta para a consolidagco da democracia. No entanto, este otimismo nco refletia o cridito de que tudo estava resolvido. O vemculo indicava as grandes lacunas que o Estado Novo tinha agravado ainda mais: a falta de conscijncia polmtica. Resgatando a antiga imagem do Jeca Tatu, questionava a ditadura que durante oito anos deixou o Jeca ` margem da vida polmtica, acrescentando ainda, em sua conduta editorial, que "a ditadura deixara suas marcas nos polmticos brasileiros, agora incapazes de pensar". (Mota & Capelato, 1981, p.153) A reconstrugco polmtica da nagco recolocava, aos olhos da equipe da Folha, a resolugco dos antigos problemas, trabalho este que seria mais uma vez executado pelas nossas elites intelectuais.

Apregoando sempre a neutralidade ideolsgica em relagco `s disputas partidarias, o vemculo questionava os partidos pela falta de programas mais consistentes, apelando para a necessidade de delineamento dos mitodos e agues para que "possamos opinar sobre sua viabilidade e eficijncia". (Mota & Capelato, 1981, p.155) Assim, o vemculo acabaria por concluir que a znica forma de resgatar a nagco da confusco e desordem polmtica seria, inevitavelmente, a adogco do bipartidarismo.

A Folha da Manhc, durante este permodo, passou a se manifestar contra o populismo, como alias ja fizera no permodo anterior.Esta conduta ficaria mais transparente com o novo permodo presidencial. O jornal, que fora contrario ` candidatura de Vargas, nco contestaria a legitimidade do pleito apss as eleigues. A vitsria, tanto na esfera estadual quanto na nacional, coubera aos populistas, o que nco correspondia aos desejos do vemculo. No entanto, o resultado das urnas foi aceito como justo e legmtimo.

Apesar de, com o tempo, a Folha ir aceitando e apoiando a administragco do governador Lucas Nogueira Garcez, o jornal se referia a um clima de insatisfagco popular, que atribuma ` incapacidade da polmtica getulista. Por uma inversco de discurso, acusava o governo populista de nco corresponder aos anseios populares, e visualizava-se como mediador dessas aspiragues, protestando contra a indiferenga do Governo diante "do clamor pzblico que se levanta em todo o pams" (editorial da Folha da Manhc, de 09.08.1952). A crmtica intransigente ao governo Vargas passava, entco, a ser uma constante nas paginas do jornal.

Mas, por outro lado, a Folha passaria tambim a condenar a atitude dos que impuseram a renzncia a Vargas, ponderando que seria mais racional aguardar os dezessete meses que faltavam para expirar o mandato. O vemculo, que na dicada anterior identificava os lmderes populistas como "demagogos", interpretou a morte de Vargas sob o prisma da questco social, dentro da sptica capitalista sem disfarces. Apropriando-se mais uma vez do discurso positivista, alertava para a necessidade de um controle efetivo da classe operaria. A Revolugco Francesa, na stica do jornal, fora causa dos posteriores efeitos das instabilidades sociais, recomendava o abandono desses ideais em nome de outros, como a autoridade e o progresso como fator essencial da estabilidade social. Esta visco de realidade do vemculo transparece de forma clara e objetiva nas fotos de primeira pagina durante o permodo de crise polmtica. Vimos, ainda, que mesmo nas edigues posteriores ` crise instaurada com a morte de Vargas, a preocupagco basica do jornal era a de que se mantivesse a ordem, e, para tanto, considerava imprescindmvel exorcizar o passado populista. De fato, a partir da edigco de 27/08/54, veiculando apenas trjs pequenas fotos, duas em cada margem oposta da primeira dobra e a outra, no centro da segunda dobra, de contezdo convencional e meramente ilustrativo, invertia radicalmente seu discurso fotografico, procurando resgatar o ritmo normal do pams.

Entretanto, examinemos mais atentamente as reagues relativas ` imagem fotografica da Folha da Manhc durante este permodo de crise polmtica instaurado com a morte de Vargas. O espago dedicado fotografia na edigco anterior ao suicmdio (24.08.54) i sensivelmente menor em relagco ao dia seguinte (25.08.54), aumentando na edigco posterior (26.08.54) com a imagem referente ao cortejo e visita ao corpo em destaque (diagramadas do lado direito), e a manifestagco popular nas ruas e sepultamento, em menor tamanho, diagramadas do lado esquerdo. A edigco de 25.08.54, deixa transparecer que o jornal foi apanhado de surpresa pela morte do presidente, ja que a diagramagco de sua primeira pagina esta ligeiramente desconexa, diferenciando-se do padrco apresentado nos dias anteriores. No entanto, a znica "foto pose" veiculada i a do vice-presidente Cafi Filho, no lado direito da primeira dobra. O rosto de Getzlio aparece logo no lado oposto, um flagrante colhido do seu cotidiano, que neste contexto deixa conotar seu zltimo suspiro. A imagem da presenga popular ja i veiculada em destaque na edigco anterior (lado direito da primeira dobra), mas as fotos de primeira pagina desse permodo deixam transparecer o distanciamento do vemculo com o fato. As classes populares sco visualizadas ` distbncia, sempre de cima para baixo, como uma massa homogjnea.

As edigues destinadas ` crise se restringem propriamente a trjs nzmeros: as dos dias 24, 25 e 26.08.54. A presenga popular esta presente em dois momentos: na edigco da vispera e na do dia imediatamente apss a morte de Vargas. A partir do dia 27, a Folha da Manhc ja volta ` sua vida normal, e a imagem popular desaparece como um passe de magica.

Se, na edigco do dia 25, a Folha se limitou a registrar a crise por meio de imagens estaticas, meramente ilustrativas, procurando apenas dar uma jnfase mais sutil e irtnica ao zltimo suspiro de Vargas, como tradicionalmente ja fazia, a ligeira mudanga apresentada no dia 24 (embora a imagem da concentragco popular nco se referisse diretamente ` crise do entco presidente, mas sim empatia por Prestes Maia) i intensificada na primeira pagina da edigco de 26.08.54. As fotos ja exibem o corpo do presidente sendo velado, as manifestagues de rua, o cortejo pelas praias da antiga capital, e, por fim, o sepultamento em Sco Borja. Apesar de chegar atrasada em relagco ` Zltima Hora, e manter uma postura mais distanciada, sem aderir ao discurso populista, a Folha aproveita este momento de profunda crise polmtica para repensar a fotografia de imprensa e veicular novos padrues de linguagem, que eram embrionarios desde o final da Segunda Grande Guerra, embora logo apss este momento de crise, ela nco sentisse mais necessario dar prosseguimento a esta nova narrativa visual.

Cada vemculo analisado assimilou, ` sua maneira, os novos valores da linguagem fotojornalmstica trazida por fotsgrafos europeus que se radicaram no Brasil, e as influjncias tambim introduzidas pelas publicagues internacionais, mais notadamente a revista Life, adaptando-as ` sua concepgco ideolsgica e em sintonia com o mercado de leitores especmfico de cada jornal. Neste aspecto, a Zltima Hora se utilizou de todos os recursos editoriais e fotograficos para se mostrar atrelada `s classes sociais, enquanto a Folha da Manhc limitou-se a apresentar a veracidade dos fatos, com todos os seus trajetos, detalhes e repercussues, embora mantendo o distanciamento tmpico das "nossas elites intelectualizadas". E, profundamente interessada em resgatar a ordem e a normalidade polmtica, passa a exorcizar o passado populista, ja nas edigues seguintes.

Ao analisar as primeiras paginas do jornal O Estado de S. Paulo, no permodo de 22 a 27.08.54, nco constatamos nenhuma mengco a este momento de crise, seja nas fotografias, manchetes ou mesmo notas de rodapi. Durante todo este permodo, o vemculo publicou, como tradicionalmente ja fazia em sua primeira pagina, notmcias internacionais, e mesmo o espago dedicado ` fotografia nesses artigos i mmnimo.

Porim, na edigco de 24.08.54, encontramos, na zltima pagina do primeiro caderno, uma notmcia de zltima hora, se estendendo por toda a pagina, relatando nco a morte, mas somente a renzncia do presidente. Apesar da manchete e os artigos nco relatarem a crise por inteiro, o espago dedicado ` fotografia i muito maior em relagco aos permodos anteriores, em que ela praticamente inexiste, apesar das imagens veiculadas serem estaticas e puramente ilustrativas.

Na edigco do dia seguinte, o lapso cometido nco i corrigido, e novamente na zltima pagina do primeiro caderno encontramos outra foto, agora em oposigco ` prspria manchete. A manifestagco de rua registrada no alto da pagina nos permite deduzir que as classes populares "nco respeitam nem a morte do seu presidente". Por outro lado, esta mesma fotografia, tomada em "plano detalhe", ao invis de denotar a empatia do vemculo, como ocorreu no Zltima Hora, teve a clara intengco em intervir na opinico pzblica, enfatizando que estas manifestagues foram reduzidas e de pouca importbncia, ja que esta imagem evidencia apenas trjs elementos agitados no primeiro plano.

Na pagina 10 do primeiro caderno dessa mesma edigco, a mensagem fotografica ainda i a mesma, sendo agora reforgada pela manchete "Verificaram-se ontem em S. Paulo arrua as sem grande importbncia". Observamos, assim, trjs fotos em "plano detalhe", diagramdas no permmetro da primeira dobra, descontextualizadas, mostrando que estas manifestagues foram realmente pequenas e inexpressivas.

O Estado de S. Paulo dedicou apenas o espago interno das edigues de 24 e 25.08.54 para veicular este momento de crise. Para um vemculo tradicionalista e conservador, que sempre procurou evitar o uso da fotografia, e nas poucas vezes que o fez, utilizava apenas a "foto pose", de maneira cautelosa, conforme se pode constatar nas primeiras paginas desse permodo, o jornal nco pode evitar de cobrir os fatos que ocorriam nas ruas, e mesmo tendo uma posigco omissa com relagco a Vargas, foi obrigado a experimentar este novo tipo de linguagem.

O suicmdio de Vargas seria o divisor de aguas que faria com que a imprensa burguesa, mesmo com a sua tradigco de exclusco das classes populares, aceitasse a sua imagem para explicitar visualmente, e dentro das suas convicgues, o que ocorria no cenario polmtico, e quais eram as suas recomendagues para solucionar este caso. Por meio das fotografias, o Zltima Hora apelava para que as classes populares continuassem preservando a heranga deixada por Vargas; a Folha da Manhc, com seu distanciamento e fidelidade ao narrar visualmente os fatos, nco media esforgos para manter a ordem e sepultar o mais breve possmvel, o erro histsrico do populismo; e, por fim, O Estado de S. Paulo, evidenciava que todos estes incidentes nco tinham a menor importbncia e que a solugco para o pams ainda se resumia a abrir as comportas para a entrada do capital estrangeiro. Mas, de qualquer maneira, a morte de Vargas foi importante para que a mensagem fotografica desses vemculos abrisse mco da sua formalidade, deixasse de ser estitica e puramente ilustrativa e passasse tambim a representar as suas reais intengues.

Assim, cada jornal se apropriava da fotografia enquanto linguagem auttnoma e legmtima para externar, ` sua maneira e sob seu prisma, as varias tendjncias e contradigues da sociedade burguesa. Embora as transformagues na imagem fotografica nco encontrassem continuidade nesses mesmos orgcos, pelo menos a curto prazo, foram sem dzvida uma das fontes primordiais para o estudo da ideologia da imprensa. O impacto imediato causado pela aparente veracidade de sua imagem ja i suficiente para justificar seu forte poder de comunicagco, pois i pouco contestado pelo universo dos leitores. A morte de Getzlio Vargas evidenciou que seu poder de condicionar a opinico pzblica i muito mais eficiente em relagco `s manchetes e artigos de primeira pagina.

Neste aspecto, O Estado de S. Paulo utilizou a fotografia de maneira mais cuidadosa e diferenciada que os demais vemculos. Ao contrario dos outros jornais do permodo em questco, O Estado nco candidatou Vargas a Santo, canonizando-o. Em nenhum momento o semblante ou mesmo a efmgie mortuaria do presidente i mostrada, como aparece nos demais jornais. O vemculo, ao contrario do Zltima Hora, nco resgata a visco popular e muito menos abre mco de sua linha editorial. Apelos visuais dramaticos como "entrega- se o corpo do presidente morto ao povo, para nco lhe entregar o poder", ou ainda "reforgar a imagem paternalista do presidente", nco sco adotadas por esse orgco de imprensa que, mesmo antes, durante e ainda apss a morte de Vargas, fez questco de manter em sua primeira pagina o noticiario internacional. O que, em smntese, demonstra sua nmtida simpatia entrada do capital estrangeiro no pams. As manifestagues de rua, a inquietude popular, segundo as pretensues do vemculo, sco interpretadas como fatos isolados, de menor importbncia e sem conotagco polmtica.

A fotografia de imprensa sempre foi um instrumento de grande importbncia para influenciar diretamente a opinico pzblica, e nos momentos de crise sua carga informativa na primeira pagina nos vemculos ainda i maior devido a dois fatores: para reforgar ainda mais a sua linha editorial, aparentemente ameagada pela ruptura do poder; e como meio mais eficiente de impor seu controle e resgatar, ` sua maneira e dentro das suas pretensues, a ordem polmtica e social. Se, nos momentos que precedem imediatamente a crise, a fotografia de primeira pagina ja se encontra em "estado de alerta", quando a crise oficialmente "declarada", a mensagem fotografica sai em combate "de corpo a corpo" com seus leitores para que o seu vemculo nco perca o dommnio da situagco. No caso especmfico da morte de Vargas, os jornais nco veicularam edigues extras por dois motivos basicos: seu suicmdio ocorreu de madrugada e tal incidente nco era esperado nem pelos vemculos e muito menos pela opinico pzblica. Embora a maioria dos jornais fosse pega de surpresa, houve tempo habil de recompor as suas paginas e veicular o fato. Pode-se comprovar este dado pelo "enxerto" executado na primeira pagina da Folha da Manhc (edigco de 25.08.54), em que a diagramagco fora feita em fungco da renzncia do presidente, e logo depois "reformada", apss sua morte. Ou ainda pela zltima pagina do primeiro caderno de O Estado de S. Paulo (edigco de 24.08.54) que, com a chamada de zltima hora, veiculou o fato pela metade, noticiando apenas a renzncia de Vargas.

Capmtulo VI

A MORTE DE TANCREDO NEVES

A) O Processo de Redemocratizagco - Antecedentes

Com seu suicmdio, conforme sustentam varios historiadores, Getzlio Vargas adiou por dez anos o gesto afinal consumado em 1964. Mas, por outro lado, impediu, com o mesmo gesto, que o povo reagisse revolucionariamente. Milhues de getulistas, com certeza, iriam ` luta, se o seu Messias assim o desejasse. "Mas Getzlio nco quis: preferiu o tiro no coragco". (Wainer, 1987, p.208)

A deposigco do governo Goulart, em 1964, foi uma ruptura constitucional, que representava o fim do permodo democratico que se iniciara em 1945. Este novo processo polmtico criado pela determinagco dos militares se caracterizou, desde o inmcio, por nco devolver imediatamente o poder aos civis, como tradicionalmente o fizeram apss todas as outras intervengues que realizaram a partir de 1945. Assim, a retomada ` democracia e ao estado de direito foi substitumda pelas sucessivas medidas de endurecimento adotadas pelos militares em 1965, 1968 e 1969, sempre com o mesmo pretexto da preservagco da integridade do estado de seguranga nacional.

I mais difmcil estudar um sistema polmtico autoritario do que um sistema mais aberto, pois a censura e a repressco distorcem todos os fatos, e grande parte das negociagues polmticas i sempre feita `s ocultas. De fato, as fontes escritas e mesmo visuais nco refletem plenamente o choque de interesses, seja na esfera regional, setorial, das prsprias classes ou mesmo institucionais. Por outro lado, os jornalistas brasileiros tambim produziram uma quantidade precisa de reportagens e comentarios, apesar de suas difmceis condigues de trabalho. A prspria fotografia de imprensa dessa ipoca passaria por profundas transformagues, deixando de ser meramente descritiva, para ser mais criativa e matafsrica, para poder sobreviver sob o rigoroso inverno da censura. Mas, comparado com os dos demais pamses da Amirica Latina, como Argentina, Uruguai e Chile, o governo militar brasileiro foi mais acessmvel. A repressco brasileira foi menos severa em relagco a estes trjs pamses, pois a nossa cultura polmtica apss 1945 se processou de forma mais aberta em relagco ` Argentina, por exemplo, e mesmo aos demais pamses.

Tal como a polarizagco polmtica do permodo 1945-64 influiu diretamente na configuragco do regime militar, tambim a dialitica polmtica dos anos autoritarios continuara a exaurir-se, na medida em que os habitos democraticos forem realimentados. A polmtica brasileira sempre se caracterizou por sua continuidade e a Nova Repzblica nco poderia ser contraria a essa tradigco. Assim, nco i por mero acaso que o presidente Josi Sarney e o ex-presidente da Cbmara dos Deputados Ulysses Guimarces sco polmticos cuja carreira remonta ` fase anterior de 1964.

Desde o advento da Repzblica Velha, os militares ja tinham uma posigco privilegiada na polmtica nacional. No final da Segunda Grande Guerra, a Escola Superior de Guerra ja sustentava princmpios tipicamente anticomunistas, segundo o modelo da "National War College", dos Estados Unidos. Para a nossa czpula militar, a principal ameaga estava, nco na invasco externa, mas dentro dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizagues de trabalhores rurais, do clero, e dos professores e estudantes universitarios. Todos esses segmentos representavam siria ameaga para o pams e teriam que ser eliminados ou ati extirpados por meio de agues decisivas.

Essa vertente filossfica essencialmente anticomunista ja estava presente em 1954. O presidente Getzlio Vargas fora conduzido ao suicmdio por uma conspiragco militar essencialmente idjntica ` que selou a sorte de Goulart. Getzlio, que anteriormente governara o Brasil, no permodo de 1930 a 1945, sendo os zltimos oito anos como ditador do Estado Novo, voltava ` presidjncia pelo voto popular em 1951. Considerando as coincidjncias entre a queda de Vargas em 1954 e a deposigco de Goulart uma dicada depois, conclummos que os anos 50 requerem um exame mais atento.

A inquieta presidjncia de Vargas no permodo 1951 a 54 foi caracterizada pelo aprofundamento da polarizagco polmtica. Seu principal apoio polmtico era oriundo do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado sob sua igide ja em 1945. Estava sintonizado com os partidos socialistas democraticos europeus, chegando a ser o principal partido de esquerda. Mas como era marcado pelo personalismo, a sua conduta ideolsgica variava muito.

Determinado a colocar em pratica seu programa econtmico nacionalista, como a criagco do monopslio do petrsleo, por exemplo, e ao mesmo tempo privilegiar os salarios da classe trabalhadora, Vargas, agora convertido em lmder populista, encontrou-se acuado em 1953 e teve que adotar um programa antiinflacionario muito impopular. Ja que a crise econtmica nco bastasse, ele tambim se deparou com uma conspiragco militar, pois sua polmtica essencialmente populista e nacionalista provocara grande indisposigco entre os oficiais anticomunistas, que em 1953 haviam se apossado da lideranga militar. No inmcio de 1954, estes ficariam indignados com a proposta de aumento do salario mmnimo, enquanto que os soldos dos militares encolhiam ainda mais.

A demissco de Goulart nco melhorou em nada a crise getulista, e os problemas pioraram ainda mais. As exportagues do cafi camram vertiginosamente, devido, em parte, `s m_ orientagco na polmtica de comercializagco. Vargas era constantemente acusado pelo seu ex-ministro das Relagues Exteriores de conspirar com Juan Carlos Persn, para, juntos, formarem um bloco contra os Estados Unidos na Amirica Latina, enquanto a imprensa, por outro lado, veiculava matirias sobre escbndalos financeiros do governo.

Diante desses ataques, Getzlio procurou sair em busca de aliados polmticos. Em maio de 1954, decretou um aumento de 100% no salario mmnimo, muito alim do que Goulart havia sugerido. Mas essa providjncia chegava muito tarde para ajuda-lo a mobilizar o apoio dos trabalhadores. Em agosto, Vargas se encontrava totalmente isolado pelos seus adversarios. O chefe da sua guarda pessoal, na tentativa de melhorar este quadro, e sem o conhecimento de Vargas, tentou eliminar Carlos Lacerda. Este, no entanto, apenas saiu ferido, mas um oficial da Forga Airea que acompanhava o jornalista nco teve a mesma sorte. Diante disto, a Forga Airea criou a sua prspria comissco de inquirito, localizando o assassino dentro do palacio presidencial. Este inquirito tambim revelou novos escbndalos financeiros, fortalecendo ainda mais Lacerda e a prspria UDN, deixando Getzlio mais vulneravel diante dos seus inimigos.

Diante desses acontecimentos, o Exircito, tradicional arbitro final nas disputas da polmtica, langa um manifesto elaborado por vinte e sete generais, exigindo a renzncia imediata do presidente. Getzlio, que sempre desafiou seus acusadores, advertiu que jamais renunciaria. Mas, apss receber outro ultimato dos militares, endossado pelo ministro da Guerra, e depois do tirmino de uma melancslica reunico ministerial, em 24 de agosto, Getzlio pts em pratica a sua zltima opgco. Retirou-se silenciosamente para os seus aposentos e disparou um tiro em seu coragco. Os seus inimigos, interessados em ocupar o espago vazio criado pelo descridito moral e polmtico do governo, nco contavam com a transformagco do presidente em martir. Assim, os antigetulistas, de repente, passaram para a defensiva. Carlos Lacerda, o hersi ferido, teve que se esconder e, em seguida, seguir para o exmlio. O vespertino O Globo, vemculo antigetulista por exceljncia, teve seus caminhues de entrega incendiados pelas mesmas multidues que apedrejaram a Embaixada norte-americana no Rio de Janeiro. Estes alvos ja tinham sido previamente estabelecidos na carta testamento do presidente, em que este atribumra a sua derrota a "uma campanha subterrbnea de grupos nacionais e internacionais" e _ violenta pressco sobre a nossa economia, ao ponto de nco termos outra samda a nco ser ceder.

O desfecho do governo Vargas no permodo de 1951 a 54, abriu espago para o argumento polmtico e as linhas de agco para a prsxima dicada. Em primeiro lugar, havia urgjncia na resolugco de questues relativas ao tratamento do capital estrangeiro para nco ptr em risco a "virtual" seguranga do nacionalismo econtmico. Em seguida, era necessario preservar as areas de recursos minerais, como petrsleo e minirio, para o capital nacional; criar fsrmulas para o pams maximizar seus ganhos com o comircio exterior; e, finalmente tentar estabelecer um mndice "justo" para o salario mmnimo, cuja questco, ja em 1954, abalara as estruturas do governo de Vargas.

Com a minimizagco dos reflexos da crise em 1955, Juscelino Kubitschek i eleito pela sigla do PSD para a presidjncia, com um mandato de cinco anos. Durante seu governo, assistimos a um rapido crescimento econtmico e a uma sirie de inovagues, como a construgco de Brasmlia e a criagco da SUDENE, orgco responsavel por executar o desenvolvimento para o Nordeste. Sua linha de atuagco, no entanto, foi permeada pelo arquitico do polmtico PSD centrista: reduziu ao maximo as diferencas ideolsgicas, procurou capitalizar o maximo de apoio para o seu propssito de "industrializagco desenvolvimentista". E, com a mesma facilidade com que convidou o capital estrangeiro a investir em novos setores de bens de consumo duraveis, como foi o caso da indzstria automobilmstica, promoveu a estrondosa ruptura com o FMI (Fundo Monet_ rio Internacional) em 1959, por se negar a aceitar o seu programa ortodoxo de estabilizagco econtmica, desencadeando, com isso, uma onda de nacionalismo efervescente que tomou conta de todo o pams. O governo pessedista de Juscelino tambim nco foi poupado dos ataques promovidos pela UDN e pelos militares anti-getulistas, que conseguiram ser contornados gragas ` sua estratigia polmtica e ` criatividade do seu programa de metas econtmicas.

Apss uma longa espera, finalmente, em 1960, a UDN acreditou que chegara a sua vez. Esta representagco polmtica, que nunca havia feito um presidente, resolveu apostar no excepcional carisma polmtico de um modesto ex-mestre-escola da cidade Sco Paulo. Jbnio ja havia sido prefeito de Sco Paulo, e mais tarde governador do Estado. A preferjncia da UDN por esse candidato se justificava por varios fatores: primeiramente, porque o discurso de Jbnio estava em sintonia com as posigues udenistas, como a luta contra a corrupgco, suspeitas em relagco `s grandes obras, a preferjncia pela livre empresa, a jnfase aos valores de fammlia e do lar; e, ainda, porque nele se encontrava o verdadeiro fentmeno em matiria de conquista de votos.

Mas a magia polmtica do presidente nco levou muito tempo para ser testada. Muito excjntrico, Jbnio, para o espanto de muitos, comegou a galantear a esquerda, concedendo a Che Guevara a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais nobre condecoragco conferida a estrangeiros. Em seguida, teria receio de colocar em pratica um programa de estabilizagco econtmica, dentro dos moldes do FMI, que prometera para erradicar a inflagco, recuando, assim, no seu plano de austeridade econtmica. Jbnio tambim culpava o Congresso de estar boicotando seu programa legislativo, embora houvesse enviado, ati aquele momento, poucos projetos de lei.

As atengues de Jbnio para o governo cubano foram mais do que suficientes para deixar irados os setores mais conservadores de nossa sociedade, e Carlos Lacerda, que ainda era ponta-de-langa da UDN, passou a atacar o chefe do governo, que tambim era um temmvel polemista, com fortes e pesados insultos, no mesmo estilo que fizera anteriormente com Getzlio. Jbnio, ao invis do confronto com Lacerda, preferiu utilizar uma outra tatica. Inspirado nas suas imprevisues, e para a surpresa de toda a Nagco, em agosto de 1961, enviou ao Congresso sua carta de renzncia, abandonando Brasmlia no mesmo dia e desaparecendo incsgnito. O povo brasileiro que lhe deu o voto ficou perplexo, vendo desaparecer suas melhores esperangas.

Mas antes que Goulart pudesse retornar, a czpula militar, liderada pelo marechal Odmlio Denys, ja anunciava que nco lhe seria tolerado assumir a presidjncia. Os ministros militares alegavam que Goulart, quando era ministro do Trabalho de Vargas, havia entregue os mais altos cargos dos sindicatos nas mcos de agentes do comunismo internacional. Com este discurso, tentavam impedir um conflito entre militares e trabalhadores, que poderia ptr em risco a seguranga do pams.

Este incidente estimulou a criagco de um movimento pela "legalidade", de repercussco nacional, cujos membros passaram a exigir que os militares respeitassem o direito legal do vice- presidente ` sucessco. O movimento, constitumdo pelo PTB, grupos de esquerda, polmticos centristas e oficiais militares, acreditava que o respeito ` constituigco era a _ nica maneira de fortalecer o processo democratico brasileiro.

O ponto mais fraco dessa relagco de forgas que apoiava os ministros militares era o terceiro Exircito, com sede no Rio Grande do Sul, comandado pelo general Machado Lopes, que rejeitava o veto. A atitude do general seria totalmente endossada pelo governador Leonel Brizola, cunhado de Goulart e o mais eloquente porta-voz da campanha pela "legalidade". Juntos, elaboraram a seguinte tatica para derrubar a agco dos ministros, descrita por Skidmore: "Goulart entraria no Brasil via Rio Grande do Sul; se a Marinha ameagasse intervir, Brizola reagiria mandando afundar varios navios para impedir o acesso ao porto de Porto Alegre. Esta medida derrotou os ministros, que nco tiveram outra alternativa a nco ser negociar". (Skidmore, 1989, p.30)

No entanto, Goulart assumiu a presidjncia com poderes reduzidos, ja que uma emenda constitucional, aprovada instantaneamente, convertia o Brasil em Repzblica Parlamentar. Dessa forma, o Poder Executivo se transferia para o gabinete, que governaria com o apoio da maioria do Congresso.

Goulart nco recebeu com bons olhos essas "inovagues", mas ja comegara a articular o resgate dos plenos poderes presidenciais, conseguidos em janeiro de 1963, por meio de um plebiscito nacional. Contudo, nessa altura dos acontecimentos, o que lhe restara era nada mais do que trjs anos do mandato original, e uma Nagco cuja principal questco era de natureza essencialmente econtmica. Sabemos que com a ascensco da burguesia industrial no cenario da dominagco polmtica, via Revolugco de 1930, o pams alteraria por completo seu curso histsrico. Ja em 1940, o nosso Produto Interno Bruto crescia aos nmveis de 6% ao ano, muito acima das expectativas de qualquer pams do Terceiro Mundo. Com a campanha de Juscelino pela industrializagco e a construgco de Brasmlia, o mundo assistia a um brilhante futuro para o maior pams da Amirica Latina.

Contudo, a continuidade desse desenvolvimento nco seria tarefa facil para ninguim, ja que nco tmnhamos uma infra-estrutura sslida e adequada `s nossas reais necessidades. A produgco de energia elitrica ainda nco era suficiente para atender aos parques industriais do Rio e Sco Paulo. As fabricas tinham que recorrer a outras fontes de energia, como carvco e geradores a Diesel para nco colocarem em risco a sua produgco. O racionamento de agua e eletricidade ja era rotina. O total de estradas pavimentadas em todo o pams ainda nco chegava a mil quiltmetros, o que sobrecarregava o sistema ferroviario, ainda obsoleto e antiquado, cujas bitolas se diferenciavam em fungco da regico percorrida.

Ao examinarmos as caractermsticas basicas da economia no princmpio dos anos de 1960, iremos nos deparar com duas problematicas fundamentais, que torturaram e perseguiram a czpula polmtica nacional. A primeira se resumia ao acentuado dificit na balanga de pagamentos, justificado pela exportagco de nossa znica fonte de divisas - o cafi - cujo prego no mercado internacional oscilava muito. A segunda se concentrava nas importagues, ja que o pams tinha extrema necessidade em adquirir bens de capital para se industrializar, petrsleo para manter sua frota de vemculos em circulagco e matirias primas minerais como cobre e potassa, entre varios outros itens. O fluxo dessas importagues estava atrelado ao crescimento industrial, ou seja, quanto mais rapido o crescimento, maior a demanda de importagues.

Alim de tudo isso, tmnhamos tambim que ponderar outros fatores negativos em nossa balanga de pagamentos, cujos pontos principais eram as remessas de lucros, a amortizagco de empristimos e a repartigco dos capitais. Todos estes itens eram equilibrados por novos investimentos estrangeiros, com novos empristimos e subvengues oriundas das agjncias internacionais. Se, por um lado, os espectadores nacionais e internacionais acreditavam no potencial brasileiro de desenvolvimento a longo prazo, por outro lado tmnhamos a conscijncia de que nos faltava reserva monetaria para continuar financiando as importagues e manter o ritmo acelerado no processo de industrializagco. A nagco praticamente nco tinha samda. Nco poderia cortar as importagues, sob pena de sacrificar a indzstria e os transportes, bem como nco poderia suspender o pagamento dos empristimos e muito menos proibir as remessas de lucros. A tomada dessas duas zltimas medidas traria como resposta grandes represalias dos investidores estrangeiros, que formavam uma comunidade fechada de capitalistas, com princmpios e idiias homogjneas, que incluiriam o nosso pams em suas respectivas listas. Diante desse contexto, tmnhamos que criar um plano econtmico muito especmfico que satisfizesse nossos credores, e de forma que as transagues comerciais flumssem segundo as normas do capitalismo internacional.



-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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