Tese sobre Fotojornalismo PG3

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Mas, apesar do siculo XIX marcar o comego de uma nova era, a fotografia ss iria aparecer nos jornais, reproduzida por meios totalmente mecbnicos, em 1880. Ati entco, eram raros os momentos em que a fotografia era utilizada pela imprensa, devido a seu carater inteiramente artesanal, ou seja, por meio da transcrigco xilografica,. O novo recurso ticnico denominado "halftone" permite o aparecimento da primeira foto em 4 de margo de 1880 "no Daily Herald, de Nova York, com o tmtulo Shantytown." (Freund, 1982, p.95)

A mecanizagco da reprodugco, o invento das chapas fotograficas "secas" (1871), em substituigco `s hzmidas que o fotsgrafo tinha que preparar minutos antes de fotografar (para que nco perdessem a sua sensibilidade), e a sua posterior industrializagco, gragas ao avango da qummica, as novas conquistas no campo da sptica e as objetivas anastigmaticas (1884), cuja data tambim coincide com o aparecimento dos primeiros filmes em rolo, que reduziam o tamanho e agilizavam o uso das cbmeras fotograficas, o aperfeigoamento da transmissco da imagem por telegrafia (1872) e mais tarde por radiofoto, abriram definitivamente o caminho para a fotografia de imprensa.

Mas, ainda assim, o seu processo de incorporagco ` imprensa foi lento. Foi preciso esperar ati 1904 para que o Daily Mirror, jornal ingljs , ilustrasse as suas paginas inteiramente de fotografias, e ati 1919 para que o Daily News, de Nova York, seguisse seu exemplo". (Freund, 1982, p.96)

A imprensa, cujo jxito se baseia na atualidade imediata, nco podia esperar, e seus proprietarios nco julgavam necessario investir grandes somas de dinheiro na modernizagco de suas oficinas para adicionar a seus jornais "um acesssrio de prestmgio inferior". Neste sentido, as fotos selecionadas por estes jornais na ipoca eram de paisagens urbanas, focalizando sempre o melhor perfil da cidade e tentando reduzir a sintaxe fotografica ` pintura tradicional da ipoca. Foram as prsprias limitagues ticnicas (grandes cbmeras e chapas de baixa sensibilidade) permitiram este tipo de tratamento na linguagem. As fotos obtidas por Roger Fenton na Guerra da Crimiia, apesar de terem sido tiradas sob sol a pino com tempos de exposigco que oscilavam de 3 a 20 segundos, mostravam apenas soldados muito bem instalados atras das trincheiras, ou nos acampamentos. Sua expedigco fora financiada na condigco de que os horrores da guerra nco fossem captados para nco assustar os familiares dos combatentes.

Apesar de tardia, a utilizagco da fotografia pela imprensa inaugurava o visual mass media, que mudava radicalmente a visco das massas. Ati entco, o homem comum somente podia visualizar os acontecimentos que ocorriam a seu redor, em sua rua, seu povoado. A fotografia trouxe consigo a dilatagco das linhas do horizonte. A palavra escrita abstrata, mas a imagem i o reflexo concreto do mundo em que cada um vive. Portanto, sua utilizagco pela imprensa era feita com muita cautela, para nco vulgarizar o jornal ou mesmo para que a sua verossimilhanga nco chocasse o leitor.

C) A Ideologia da Reprodutividade Ticnica

A ideologia da reprodutividade ticnica i , na sua essjncia, a prspria continuidade da ideologia mercantilista.

Mesmo tesricos como Walter Benjamin consideraram a imagem fotografica como um desenvolvimento da pintura renascentista mediada pelo uso da cbmera escura. Os primeiros retratos foram extensues de poses ja transcritas pela pintura. Os gestos da corte francesa foram finalmente socializados, pois, embora a nobreza fosse uma clientela difmcil, exigia um trabalho perfeito. Com o objetivo de satisfazer o gosto da ipoca, o pintor tinha de evitar as cores reais e substitum-las por tons mais delicados; a tela, por outro lado, deveria ser de um relevo apropriado para reproduzir melhor a superfmcie da seda e de outros tecidos.

Para o burgujs, representar-se era mais do que uma simples identificagco pessoal, era um culto de classe ao individualismo que a filosofia cartesiana exprimia com: eu penso, logo existo. E, nada i tco cartesiano quanto o "instante fotografico" - o eu penso ss pode acontecer na revelagco de um instante. O retrato fotografico corresponde a uma fase particular da evolugco social: a ascensco de novas classes sociais tinha um significado polmtico e social. Os precursores do retrato fotografico surgiram em estreita relagco com esta evolugco. O "deixar-se fotografar", priviligio de poucos durante varios siculos, passava agora por um processo irreversmvel de democratizagco. "A busca de algo parecido com o retrato do cliente francjs na ipoca de Lums XV e Lums XVI, pode-se definir pela tendjncia geral de falsear e mesmo de idealizar cada rosto, inclusive o do pequeno burgujs, para que ficasse mais parecido com o tipo humano dominante: o Prmncipe". (Waetzold, 1908, p.57)

Os pressupostos de Walter Benjamin objetivaram a remodelagco dos conceitos de cultura e estitica, a partir da experijncia suscitada pela reprodutividade ticnica. Mas, por que esta questco aparentemente ticnica adquiriu tal relevbncia? Benjamin respondera: porque tal "possibilidade multiplicativa fere os valores que convertiam, ati agora, a obra numa espicie de sucedbneo de uma experijncia religiosa". (Benjamin, 1982, p.217) De fato, a relagco de arte dependia da instauragco de trjs elementos: aura, valor cultual e autenticidade, e a interagco dos mesmos. Alim desses elementos. Benjamin se referia tambim ` unicidade, ou seja, a impossibilidade de reprodugco da obra, a nco ser por sua falsificagco. Mas, questionando as origens filossficas que conceituaram estes trjs elementos (aura, valor cultural e autenticidade) como fez o discurso industrial emergente, nco i difmcil perceber as consequjncias que abalaram os alicerces da teorizagco classica. Em outras palavras, Benjamin mostrou o lastro ideolsgico, a ausjncia de incisco entre as preno y es do senso comum e as categorias, aparentemente substantivas, da estitica ocidental. Benjamin, procurarava especificidade do discurso da arte na ipoca de sua reprodutividade ticnica. Nesse sentido,sua visco das novas formas de arte ( fotografia e cinema ), embora `s vezes possa parecer contraditsria , i mais adequada ` compreensco da indzstria cultural, ao contrario daquelas de Adorno e Marcuse. I sua releitura do significado ticnico da obra de arte que permitiu romper com posturas tesricas "mistificadas" e dadas como universalmente validas.

Se na fotografia ja estava contido o germe da reprodutividade ticnica, com ela, agora, a cbmera adere ao corpo. i uma simples extensco do olhar, se dirige para onde se quer, uma espicie de terceiro olho, que permite fotografar sem pensar. Com as primeiras cbmeras Kodak, langadas em 1888, juntamente com o slogan "vocj aperta o botco, nss fazemos o resto", presencia-se um corte radical, nco ss na histsria da fotografia, como tambim na prspria histsria da modernidade. Surge nco ss uma nova relagco com a luz, como tambim nova relagco com o tempo. Fotografar se tornou uma agco, um agir em si mesmo, e com idjntico grau de complexidade, apesar de se diferenciar do ato de escrever. Ou, como define Arthur Omar:

"Os corpos fotograficos vem substituir os 'corpos gloriosos' da doutrina catslica, estabelecendo uma nova mortalidade". (Omar, 1988, p.B-2)

Esse i um em um mundo de imagens. Todos os pensamentos, desejos e fruigues estco diretamente relacionados com elas. As imagens sco necessarias para melhor compreender o presente, o passado e o futuro. Qualquer que seja a area da agco humana, as imagens estco presentes para interpretar os fatos, explicitar os mitodos e avaliar os resultados. Ou, como diz Susan Sontag:

"Fotografar i apropriar-se da coisa fotografada. I envolver- se numa certa relagco com o mundo que se assemelha com o conhecimento - e por conseguinte com o poder". (Sontag, 1983, p.4)

A cultura contemporbnea ja incorporou o visual e o fotografico. Longe da problematica que conduziu a pintura moderna ` liquidez de sua prspria linguagem, qualquer pessoa pode manipular uma cbmera fotografica, da mesma maneira que se utiliza de uma maquina de escrever, sem compromisso de fazer literatura. Nesse sentido, a produgco industrial das formas de representagco nco i unilateral, imposta de cima para baixo. As massas nco sco passivas e uniformes. Os choques culturais ou ideolsgicos determinam os tipos de metaforas, arquitipos e esteristipos dessa indzstria. E essas novas formas de leitura exigidas pelas massas surgem no crescente e incessante processo de aperfeigoamento da vida material, quando o homem se sente cada vez mais divorciado do jogo dos acontecimentos e relegado a um papel cada vez mais passivo. Produzir fotos que evidenciem a exteriorizagco dos seus sentimentos, ja i uma forma de criagco. Isso talvez explique porque na fotografia ha uma legico de fiiis de que outros meios expressivos nco possuem. A atividade fotografica, antes de mais nada, conta com uma cumplicidade coletiva.

D) "Abre-se uma janela para o mundo"

Apesar de geradas pelo mesmo processo industrial emergente, a incorporagco da fotografia pela imprensa foi tardia. Esse atraso se justificava pelos seus elevados custos, pois os primeiros clichjs eram elaborados em casas especializadas e nco nas oficinas dos prsprios jornais. Por outro lado, como se tratava de algo aparentemente novo e seus proprietarios ainda nco conheciam a importbncia desse novo instrumento, preferiram nco arriscar o prestmgio e a serenidade de seus vemculos.

Mas, se a introdugco da fotografia na imprensa foi um fentmeno de importbncia capital que mudava radicalmente a visco de seus leitores e, consequentemente, abria uma janela para o mundo , a sua aura de veracidade nco passou despercebida, convertendo-se em pouco tempo num poderoso instrumento de propaganda e manipulagco. A produgco e veiculagco de imagens estava em sintonia com os interesses dos proprietarios da imprensa: a indzstria, a estrutura financeira, os governos. O conflito entre a informagco e o poder sempre se caracterizou pelo fato de que este nunca mostrou a sua verdadeira face, mesmo porque nco tinha ss uma mas varias. Quando a mostrava, era em ocasiues muito especiais, como eventos litzrgicos ou festivos, e de maneira muito superficial. Assim, nco i difmcil concluir que a manipulagco do contezdo da fotografia ocorria desde o momento da sua tomada, ati a total distorgco das intengues originais, por meio de retoques ou montagens.

O fato da fotografia ser uma analogia do real nco i suficiente para lhe conferir uma credibilidade imediata e absoluta; caso contrario, estarmamos lhe atribuindo um valor falso, um poder ilussrio

Este poder da fotografia em falsificar os fatos e privilegiar os interesses de uma minoria dominante, foi amplamente utilizado pelos regimes polmticos mais radicais para perpetuar a sua forga, como se pode perceber no processo da nova ordem polmtica que sucedeu a Revolugco Russa, ou mesmo durante o governo de Mao Tsi Tung, ou ainda na propagagco do discurso nazi- facista, que utilizaram amplamente a informagco fotografica, como falsa verdade.

Nesse permodo era comum "fabricar fotos" reconstituindo, muito tempo depois, fatos histsricos isolados, e sob o prisma de quem detinha as rideas do poder. Os exemplos classicos sco as fotos da tomada do Palacio de Inverno de Petrogrado, ou ainda a "Grande Marcha" de Mao Tsi Tung. A manipulagco nco para por am. Se assiste assim nco somente a eliminagco da prspria histsria e, consequentemente, das fotos que a testemunharam, mas tambim das personalidades que durante a implantagco dos novos regimes passaram a nco ser mais interessantes para as suas repectivas diretrizes governamentais. Havia tambim formas mais simples de falsear - sempre de baixo para cima - para enaltecer a grandeza do momento ou da personalidade em questco.

A fotografia, podendo ser utilizada como forma de expressco, sempre teve livre trbnsito nos caminhos da racionalidade humana, pois sua produgco i fruto da organizagco deliberada e arbitraria de fragmentos de uma realidade e a partir de uma intengco definida no momento da descoberta "e antecede ao instante da captagco da imagem". (Humberto, 1983, p.46)

Seu discurso visual passa a ser aceito como ele i, sem manipulagues ou interferjncias, a partir do momento em que este, por meio de sua "decodificagco cartesiana", tambim reflete a "ideologia racional burguesa". Segundo Arlindo Machado, "nco i exagero dizer que a cbmera fotografica i um aparelho que difunde a ideologia burguesa, antes mesmo de difundir o que quer que seja". (Machado, 1984, p.74)

Um dos primeiros a compreender o sentido do discurso fotografico foi certamente Jacob A. Riis, que, durante a dicada de 1870, recorreu ` fotografia como instrumento concreto de crmtica social, com o intuito de ilustrar seus textos sobre as condigues miseraveis de vida dos imigrantes no submundo de Nova York. Sua primeira publicagco, How The Other Half Lives, em 1890, comove profundamente a opinico pzblica da ipoca. Mais tarde, tambim seguindo os passos de Riis, Lewis W. Hine, socislogo norte-americano, desenvolve durante o permodo de 1908-1914 uma investigagco sobre criangas na sua jornada de doze horas, nas fabricas e nos campos, bem como suas vida nas favelas em que habitavam. Essa iniciativa despertou a conscijncia da populagco, que passou a pressionar amplamente uma reforma na legislagco trabalhista norte-americana. Tivemos, assim, exemplos iniditos que nco ss atestam ` fotografia sua prspria emancipagco enquanto linguagem, como tambim contribumram no processo de luta para melhorar as condigues de vida da sociedade. Embora tardiamente, parte dessa contribuigco foi aproveitada em 23 de novembro de 1936, com o primeiro nzmero da revista Life.

O novo estilo de fotojornalismo criado pelas revistas alemcs no comego dos anos trinta, endossado em seguida pela revista francesa Vu, foram de capital importbncia para influenciar os criadores da Life. Como se isto nco bastasse, alguns dos melhores fotojornalistas alemces, que procuraram asilo polmtico nos Estados Unidos, se filiaram ` nova revista norte-americana, incrementando ainda mais sua linha editorial. Esta nova linguagem serviu para narrar histsrias visuais, utilizando-se a sintaxe de fotos seriadas.

A prspria evolugco do cinema e das histsrias em quadrinhos contribuiu de forma imperativa para que o novo estilo proposto fosse aceito. Os progressos da fotografia eram atrelados aos novos processos de impressco (inclusive em cores), e com as transmissues por radiofoto, e ` ampliagco dos complexos rodoviario e ferroviario. Estreitou-se a relagco dos mercados produtor e consumidor, aliada ao suporte publicitario, cuja sobrevivjncia e sucesso sco fatais para o vemculo, e ` preferjncia dos anunciantes em estarem presentes nessa nova modalidade jornalmstica, ja que seu tempo de circulagco i muito maior em relagco aos jornais e o custo do anzncio por nzmero de leitores i muito mais reduzido. Estes fatores tambim contribumram para tornar a Life um marco do fotojornalismo moderno e influenciando de forma decisiva toda a produgco do mundo ocidental.

A experijncia da Life deixou claro que qualquer notmcia acompanhada de fotos desperta mais interesse do que qualquer outra informagco sem imagem. Tal regra, porim, nco pode ser aplicada aos jornais mais tradicionais, como i o caso do jornal francjs Le Monde.

A incorporagco da fotografia pela imprensa no mundo moderno i facilmente compreensmvel: "A explicagco espacial da cultura, da polmtica, das relagues sociais pode ser percebida. E isso i uma coisa que a fotografia capta mais e melhor do que qualquer outra fonte de informagco. Dessa forma as informagues que podem sair da fotografia sco ilimitadas". (Lissovsky, 1983, p.118)

Um dos motivos da fotografia nco transmitir ao leitor todas as informagues nela contidas seria a falta de aprendizado para sua leitura. Um texto escrito nco pode ser considerado como uma linguagem em si. Este apenas desencadeia no intelecto do leitor um processo de leitura que, consequentemente, se transforma em linguagem. Na fotografia existe a necessidade de se referir ` linguagem da imagem. Um analfabeto nco compreende o texto de jornal, mas pode ler parte das imagens.

O segundo motivo i o conhecimento dos elementos que compuem a imagem. Uma fotografia representando objetos ou fatos desconhecidos i tco ilegmvel quanto um texto escrito em idioma que nco se conhece A fotografia i um objeto antropologicamente novo e seu idioma comum pertence ao mesmo meio sscio-cultural.

Nco se pode afirmar que a linguagem fotografica i universal. Nco ha imagem fotografica que possa ser interpretada da mesma maneira por diferentes povos. A prspria histsria de vida do indivmduo, e a classe sscio-econtmica na qual esta inserido, tambim i um fator a ser considerado. A leitura apreendida por uma jovem bancaria de 18 anos que acaba de entrar em uma faculdade de administragco i muito diferente da de um ferroviario aposentado de 80 anos.

A leitura de um texto se inicia com uma agco sptica e mental que se desenvolve simultaneamente, mediada por um contexto bio- social no qual o leitor ja se encontra plenamente incorporado. O leitor primeiramente decifra as letras, para depois assimilar o sentido de cada palavra, estabelecer as relagues entre as palavras e por fim tomar conhecimento da frase. Na fotografia, o processo de leitura, como veremos mais adiante, decomposto em trjs fases: a percepgco, a identificagco e, consequentemente, a interpretagco.

Este processo diferenciado de leitura provoca reagues emocionais mais espontbneas e mais intensas do que a leitura de um texto. Quando se lj um texto, as reagues psicolsgicas tambim se desencadeiam imediatamente, por m o sentido das palavras e das frases i , antes de tudo, mediado pela imaginagco, para depois ser traduzido em imagens mentais. Na leitura da imagem fotografica ha um amplo e direto desencadeamento das reagues emocionais, pois esta ja suprimiu essa fase intermediaria que concebe mentalmente a imagem.

Desta forma, a fotografia de imprensa nco tem condigues de fornecer a decantada informagco complementar, pois ela tem a necessidade de transmitir uma informagco auttnoma e nco de complementar a informagco ja apreendida pelo texto. Ela deve fornecer um outro nmvel de informagco que somente a linguagem fotografica podera passar. E essa linguagem somente se completara se forem utilizados todos os recursos visuais inerentes fotografia, seja como forma de expressco, como ticnica, ou ainda como documento.

Assim sendo,a linguagem fotografica autjntica i, antes de tudo, uma necessidade. importante que ela exprima os acontecimentos de maneira clara e sem a mmnima sombra de dzvidas, e que situe a sua mensagem dentro de um espago e de uma ipoca. A imagem deve estar em sintonia com uma situagco especmfica, vivida pela cidade e pelo local na qual ela se originou, e nco com um pams qualquer. Examinando melhor os classicos da fotografia, como W. Eugene Smith, Henri Cartier-Bresson e mesmo o fotojornalista brasileiro Sebastico Salgado, notamos que foi justamente por possumrem sujeito e circunstbncia que suas imagens puderam corresponder a certo momento determinado e nco a qualquer momento aleatsrio da histsria moderna. O ambiente em si das imagens produzidas nco i simplesmente um cenario ou uma paisagem. Essas imagens ja identificam momentos de uma situagco especmfica vivida somente naquele lugar, e nco em outro qualquer. Sem fazer exotismos paisagmsticos, ou fotos turmsticas se pode perceber que dentro do imobilismo daquele fragmento do real, havia ambientes e fatos na expectativa de transformagco.

Capmtulo II

FOTOGRAFIA E DISCURSO VISUAL

A) Linguagem e Ideologia

A cbmera escura renascentista, reproduzia a concepgco do logocentrismo ocidental, que substituma Deus pelo olho-objeto. A teoria cartesiana, dessa forma, pressupunha um tipo de imagem fria, mecbnica e totalmente determinada pelo seu mitodo. Descartes acreditava em uma correspondjncia absoluta entre cada ponto no espago e sua respectiva representagco tanto na mente quanto no plano. Nesse contexto, a verdade era a adequagco do pensamento do sujeito ao objeto pensado. O modelo, portanto, era o da geometria analmtica, com as projegues de pontos em dois eixos ortogonais. Inaugurava-se assim, uma concepgco binaria da representagco, essencial para a concepgco cientmfica das imagens, que nos nossos dias toma novo impulso com a informatica. Quanto mais imediata e evidente for a imagem, maior a sua correspondjncia binaria e, consequentemente, maior seu teor de verdade.

Com a adogco do discurso cartesiano, comegam a ser instauradas as condigues propmcias para a concepgco ticnica da imagem, exigindo participagco mais reduzida das mcos do pintor e do desenhista.

Essa nova metodologia, incorporada inclusive na nova representagco da imagem, refletia em todos os seus aspectos a ideologia do renascimento mercantilista. A pintura do siculo XV, caracterizada pelo seu aspecto global/sintitico, durante o siculo XVIII se transformou em espago contmnuo ati chegar ao siculo XIX, quando apresentou uma descontinuidade abrupta, fragmentaria e analmtica. A pintura passa a utilizar os fragmentos, apss siculos de fragmentagco cartesiana.

A fotografia, tal qual a conhecemos hoje i uma continuidade da ideologia renascentista, agora reciclada, adaptada e incorporada ` nova ideologia industrial. Ela nada mais i do que a visualizagco desse novo discurso: racional, claro, tecnicamente perfeito e instantbneo. Ao invis de ser um "retorno renascentista", a fotografia i, em smntese, a retomada ` nova racionalidade burguesa industrial.

Nessas condigues parte-se da premissa de que linguagem e ideologia nada mais sco do que meros sintnimos.

A Ideologia, pode ser considerada como um conjunto de idiias desenvolvidas de forma integrada, em torno de uma idiia central podendo ser progressista ou reacionaria,conforme o tipo da agco a ser produzida nas relagues sociais, modificadora ou conservadora.

Portanto, os sistemas simbslicos elaborados pelos homens para representar o mundo, sco sempre ideolsgicos, pois, longe de constitumrem entidades auttnomas transparentes, sco, em zltima instbncia, determinados pelas prsprias contradigues inerentes ` vida social.

Nem Marx e nem Engels, em A Ideologia Alemc, a aprofundaram esse conceito, e por outro lado de nco haver uma teoria mais sistematica das ideologias nas literaturas dos dois classicos pensadores alemces, estas seriam, de maneira generalizada, as bases da concepgco marxista.

Em fungco dessa linha de pensamento as obras de Lukacs, Gramsci e Althusser, produziram um impacto e uma repercussco muito grande. Ati mesmo seus adversarios passaram a adotar esse discurso e a combatj-los dentro de seu prsprio campo. Entregue vontade dos herdeiros do marxismo, a questco se inflou ainda mais e a confusco se caracterizou, imergindo a teoria das ideologias numa abstragco que nunca se concretizou.

Mas, voltando `s origens e, ao mesmo tempo, pensando nos tempos modernos a partir da perspectiva de classe, desenvolvida por Marx e Engels, a ideologia imerge em um primeiro contato superficial, com o sistema das representagues de que se valem os homens para dar conta das relagues materiais - naturais e sociais - em que se encontram inseridos, como as formas jurmdicas, religiosas, artmsticas, filossficas e, resumindo tudo isso, as formas ideolsgicas nas quais os homens tomam conscijncia dos conflitos e os conduzem a um fim.

Ocorre, porim, que essas nco sco simples sitemas de representagco transparentes, mas sim formas de exercmcios da luta de classes, resultantes da pressco das formas dominantes e da resistjncia dos dominados, estando, portanto, sujeitas ` tensco das forgas contraditsrias que disputam no meio social. Assim, em uma sociedade de classes, os sistemas de representagco que deveriam explicitar os fentmenos ja estco contaminados pela luta de classes, tornando-se sistemas dotados de intencionalidade, moldados pela estratigia classista, ponderados pelos interesses da classe que os forjou e que, na maior parte das vezes, coincide com a detentora do poder polmtico.

Em outras palavras, as ideologias nco podem ser tomadas como outra coisa senco a solidariedade dos sistemas de representagco do grupo social que as forjou numa condigco dada. Assim, aqueles que forjam a ideologia dominante se julgam fora dela. A imprensa se auto rotula "objetiva", a religico se define "universal", o sistema polmtico se diz "democratico", a instituigco jurmdica se intitula "igualitaria" e a produgco intelectual se julga "cientmfica". Acreditar que a cijncia esteja livre da ideologia nco i apenas uma postura ingjnua, facilmente contestada inclusive pelos prsprios cientistas, mas tambim representa um golpe contra a prspria teoria marxista, que jamais se reconheceu como produtor de conhecimento inocente, mas como cijncia crmtica e arma revolucionaria de uma classe.

Se se consciderar a ideologia como um fato, como a engrenagem mestra da reprodugco das relagues de produgco e, consequentemente, de sua superagco, esta precisa ter uma expressco material; caso contrario, seria um fantasma. Os pensadores da ideologia nco puderam visualiza -la de outra forma a nco ser aquela puramente ideal. Assim, esta questco tem se reduzideo a idiias, concepgues de mundo, formas de conscijncia, hierarquias de pensamento, senso comum e a muitas outras. Em qualquer uma das premissas, a ideologia i concebida como expressco do mundo das idiias e nco como expressco de relagues sociais concretizadas e viabilizadas em instituigues e praticas materiais. Ou, como disseram Marx & Engels: "a conscijncia nunca pode ser outra coisa que o ser consciente e o ser dos homens i o seu processo de vida real". (Marx & Engels, 1971, p.26) Nesses termos, a ideologia comega a perder seu contezdo abstrato, objetivando a composigco de um corpo de idiias, nco arranjando, combinando e acionando o funcionamento de homens, objetos e sinais no mundo.

Diante do exposto i facil compreender que a ideologia dominante nco se limita apenas em ser conservadora em fungco da necessidade de sua perpetuagco; o seu enramzamento nas formas das coisas e dos seres i tco profundo que ela tende a se conservar mesmo depois de ultrapassada a situagco que a originou. Esta situagco foi bem colocada por R. Barthes quando este afirma que a lmngua i "fascista", porque o fascismo nco i impedir de dizer, i obrigar a dizer; na realidade, ele estava se referindo ` cristalizagco da estratigia dominante do signo. R. Barthes, dessa forma, entende a lmngua como um regime de leis que nos obriga a dizer coisas com as quais nem sempre concordarmamos se dominassemos o processo.

Todavia, nco se pode reduzir a origem e o uso dos idiomas, em particular, e da linguagem em geral, ` questco ideolsgica e aos seus mecanismos de dominagco.

De fato, ` medida em que uma civilizagco ingressa no processo de acumulagco, tanto em variedade, como em riqueza, os nmveis de trabalho, os atos e os interesses de que se compue a vida da sociedade, se dividem entre diferentes grupos de homens: nem o estado de espmrito, nem a diregco de cada atividade sco os mesmos para o sacerdote, para o soldado, para a personalidade polmtica, ou ainda para o homem do campo. Mesmo que tenham herdado o mesmo idioma, as palavras passam entre eles a incorporar significados distintos, que se fixam, e acabam por ser aderidas pelos mesmos.

Assim, uma palavra amplia a sua significagco quando passa de um cmrculo social limitado para um mais extenso, e o diminui quando passa de um cmrculo mais amplo para um mais restrito. Dessa forma, cada grupo social utiliza, de maneira bem mais especmfica, os amplos recursos de seu idioma.

O conjunto de indivmduos como um todo, existentes no interior da sociedade, sob qualquer prisma, vai manter entre si relagues distintas, da mesma forma que possui nogues distintas e seguem convenijncias tambim distintas e prsprias do reduzido grupo que o constitui. Ora, a significagco de uma palavra i definida por um conjunto de nogues oriundas de cada grupo, e as associagues dessa palavra estarco diferenciadas em fungco da maneira que cada grupo a emprega.

Portanto, qualquer que seja a natureza do grupo, ou mesmo da classe social considerada, o significado i passmvel de variagco, nco somente em fungco das circunstbncias especmficas que o determinam, mas tambim por se tratar de grupos mais ou menos isolados do restante da sociedade, mais ou menos fechados, ou ainda, mais ou menos auttnomos. Na realidade, a amplitude do vocabulario nco se limita ` natureza do grupo. Esta i ampliada intencionalmente em fungco dos objetivos que cada grupo tem ao exteriorizar sua independjncia e originalidade; enquanto a sociedade como um todo tende a padronizar o idioma, a agco dos agupamentos particulares tende a se diferenciar por meio da pronzncia, das distorgues gramaticais, enfim pelo uso da gmria, que ira constituir uma nova codificagco: a lmngua artificial.

Dentro da hierarquia social, notamos que as camadas superiores tjm sua prspria maneira de falar, suas prsprias regras de concordbncia e regjncia e um vocabulario que lhes i muito especmfico. Os grupos que estco logo mais abaixo, consideram pretencioso este sistema de expressco e resistem a se submeter ao processo de homogeneizagco do idioma dominante. Dialetos, sotaques, jargues e gmrias, enfim a lmngua artificial, sco marcas de classe atestando que tambim no signo lingumstico o antagonismo social esta presente. A evolugco lingumstica entretanto nco se reduz somente a isto.

A evolugco lingumstica esta, na realidade, em estreita dependjncia do seu contexto histsrico. Temos, assim, uma relagco evidente entre a evolugco lingumstica e as condigues sociais em que a lmngua evolui. O prsprio desenvolvimento da sociedade conduz a linguagem por um caminho determinado. Portanto, a histsria das lmnguas i reflexo direto da histsria das civilizagues.

Por outro lado, as lmnguas evoluem tco mais depressa quanto mais se espalham e quanto maior e mais diferenciado i seu grupo falante. Estendendo-se por regiues que se encontrem em contato com diferentes culturas, elas estco sujeitas a perder o que possumam de mais idiomatico; as influjncias `s quais elas sco submetidas transformam-nas rapidamente. Notamos, assim, que quando comparamos o dialeto de uma metrspole com os de suas respectivas coltnias, constataremos nestes zltimos a emergjncia de certas normas gramaticais sutis e delicadas. A tradigco as mantim enraizadas no solo em que nasceram; uma vez transplantadas elas desaparecem.

As tendjncias embrionarias de cada lmngua frequentemente desabrocham mais depressa e na sua amplitude, quando a lmngua i levada ` distbncia. Muitas inovagues se manifestaram mais depressa no espanhol falado na Amirica Latina do que no espanhol andaluz. Do mesmo modo, o ingljs falado em Los Angeles i mais dinbmico do que o ingljs de Oxford.

Na realidade, as lmnguas que permanecem inertes sco conservadoras. As que sco faladas em regiues claramente determinadas, longe dos centros urbanos e das grandes vias de comunicagco, possuem, frequentemente, um carater tipicamente arcaico.

Temos que considerar a questco do habitat, cuja influjncia esta diretamente atrelada ao desenvolvimento das lmnguas. Quando determinada populagco i disseminada sobre um territsrio distante e isolado, esta dispersco favorece a diferenciagco dialetal. Se a populagco vive, ao contrario, reunida `s demais populagues e nas cidades, este aspecto de vida cria condigues para o aparecimento de lmnguas comuns que fazem, de algum modo, uma midia das lmnguas da diferentes classes sociais em cuja comunidade ou cidade se encontram. Dessa forma, nco somente as agues sociais retardam ou precipitam o processo de evolugco das lmnguas, mas ainda determinam o modo e a diregco dessa evolugco.

Pode-se constatar que R. Barthes e grande parte dos semislogos nco puderam desprender-se totalmente dos padrues culturais de sua ipoca e endossaram o discurso da ideologia dominante, privilegiando, sem muito senso crmtico, o signo verbal como fentmeno ideolsgico por exceljncia. Para Arlindo Machado explicita melhor esse lapso cientmfico, quando afirma que "essa concepgco esta baseada num preceito muito familiar entre os formalistas russos, como tambim na psicanalise moderna, de que a palavra, por ser produzida pelos prsprios meios do organismo individual, sem nenhum recurso a uma aparelhagem extracorporal, funciona como uma espicie de 'discurso anterior', tornando-se, por essa razco, o meio que perpassa todos os sistemas de signos e que pode preencher qualquer fungco ideolsgica". (Machado, 1984, p.25)

Por outro lado, qualquer forma de expressco cultural desenvolvida em pamses de industrializagco avangada, a partir do momento em que i transplantada, vem acompanhada de uma bagagem decorrente de outras situagues sscio-econtmicas. Ao considera-la como uma meta a ser alcangada se deixa de lado a realidade e se caminha na diregco da imitagco, esquecendo o lastro de experijncias culturais acumuladas e principalmente o carater diferenciado do fazer de cada povo. Ao se tornar um simples rebanho consumidor, i no mmnimo querer negar a essjncia do desenvolvimento da prspria cultura.

A cultura i um sistema dinbmico cuja evolugco se justifica pelo seu especmfico contexto histsrico; de forma nenhuma pode ser preservada em museus, ou em meios sociais isolados, sob pena de tornar-se arcaica e extinguir-se. A cultura, como a prspria lmngua, necessita de mobilidade, precisa entrar em contato com outros povos, mais ou menos desenvolvidos, para reciclar seus padrues e valores, para que cada indivmduo e a sociedade como um todo conhegam novas maneiras de exteriorizar a sua autonomia com originalidade dentro da sua natureza especmfica. Em smntese, nco importa a origem dos novos padrues e sistemas de valores porque, uma vez transplantados, suas ramzes originais logo desaparecem. O que realmente importa i como estes novos dados vco ser aproveitados e incorporados na sociedade que os recebe. Por fim, nco se pretende reduzir a questco da linguagem a um mero fentmeno ideolsgico. Trata-se antes de uma interagco ideolsgica de todos os segmentos, de dentro e de fora da sociedade.

B) A Realidade Visada pelos Signos

A falta de uma analise marxista no dommnio da filosofia da linguagem, levou V. N. Volochinov a desenvolver, no final da dicada de 1920, um estudo intitulado Marxismo e Filosofia da Linguagem. Ele sempre acreditou que as ideologias nco podem ser tomadas como outra coisa senco como a solidariedade dos sistemas de representagco do grupo social que os forjou em uma condigco dada.

A concepgco positivista do empirismo, que sempre se posicionou diante desse objeto de estudo, i de modo ncb o dialitico, mas sim como algo intangmvel e imutavel, ainda persiste. Na lingumstica em si, apss o positivismo, presenciamos um permodo marcado pela recusa de qualquer teorizagco dos problemas cientmficos, acrescentada de hostilidades oriundas dos positivistas retardatarios, em relagco `s questues de visco de mundo. Assistimos, assim, ` clara tomada de conscijncia dos fundamentos filossficos dessa corrente e de sua interagco com os outros dommnios de conhecimento. Isso foi suficiente para transparecer a crise que a lingumstica atravessa, na sua inircia de solucionar problemas de maneira concreta e mais viavel.

Para Volochinov, "tudo que i ideolsgico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo". (Volochinov, 1986 p.31) O produto ideolsgico i parte da realidade, seja ela natural ou social, como todo corpo fmsico, instrumento de produgco ou mesmo de consumo; mas, ao contrario destes, tambim reflete e refrata outra realidade, que lhe i exterior.

Desta forma, Volochinov parte da concepgco de que tudo que i ideolsgico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. "Tudo que i ideolsgico i um signo". (Volochinov, 1986, p.31) Portanto, sem signos nco existe ideologia. O signo ideolsgico, dessa forma, resulta de um consenso entre indivmduos socialmente organizados, razco pela qual as suas formas de manifestagco decorrem da organizagco dessa manifestagco.

Os signos tambim sco objetos naturais e especmficos. Por outro lado, todo produto natural, tecnolsgico, ou de consumo, pode vir a ser signo e adquirir uma atrbuigco que ultrapasse suas prsprias particularidades. O signo nco se justifica apenas como fragmento da realidade; ele tambim reflete e refrata uma outra, tambim distinta. Nesse processo, o signo pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou ainda apreendj-la de um ponto de vista especmfico. Essa manipulagco caractermstica de todos os signos se justifica na medida em que todos eles estco sujeitos aos critirios de avaliagco ideolsgica. Pode-se, entco, concluir que o dommnio ideolsgico coincide com o dommnio dos signos. Portanto, "tudo que ideolsgico possui um valor semistico". (Volochinov, 1986, p.32)

A realidade material da ideologia sco, portanto, os signos, entidades elementares que constituem todos os sistemas de representagco. As ideologias, conforme ja vimos a partir da prspria concepgco de Volochinov, nco podem ser vistas como algo diferente dessa realidade material que lhes da corpo. Os signos sco criados pelos grupos sociais no curso de suas relagues, pois todo o fentmeno smgnico e ideolsgico i dado de uma forma material, como som, massa fmsica, cor, movimento corporal e outras. Assim, a realidade do signo totalmente objetiva e unitaria, pois o signo i um fentmeno do mundo exterior.

A definigco classica do signo seria "aquilo que esta no lugar de alguma coisa". Generalizando, o signo existe para remeter alguma coisa fora dele mesmo, ou melhor, para representar algo que nco i dele prsprio. Mas, para Volochinov, essa representagco ocorre de forma dupla e contraditsria: os signos refletem e refratam a realidade visada pela representagco. A modificagco do signo i resultante do fato de que o mesmo nco i uma entidade auttnoma que representa os fentmenos do mundo com "pureza", sem qualquer mediagco. Os instrumentos, os sujeitos, juntamente com os sinais materiais por eles constitumdos, se interpuem na produgco dos signos, como elementos de refragco da realidade, elementos que manipulam os sentidos segundo especifidades de sua realidade material, processo histsrico e lugar na hierarquia social.

Portanto, o signo ja i caracterizado pela natureza de classe do grupo que o produz: dentro do conflito de classes, a produgco social do signo i a smntese das necessidades, interesses e estratigias da intervengco de cada classe social.

Conceber o sistema de signos como uma estrutura estavel e independente dos agentes que o produzem constitui uma abstragco cientmfica que leva a lugar nenhum. "As palavras sco tecidas a partir de uma multidco de fios ideolsgicos e servem de trama a todas as relagues sociais em todos os dommnios". (Volochinov, 1986, p.41) A palavra ser i, dessa forma, o termtmetro mais sensmvel de todas as transformagues sociais, mesmo daquelas que acabaram de emergir e ainda nco constitumram forma, que ainda nco abriram espago para sistemas ideolsgicos estruturados e bem formados. A palavra reflete o meio no qual se produzem lentas acumulagues quantitativas de mudanga que ainda nco tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade e forma ideolsgica. A palavra, portanto, ss i capaz de registrar as fases transitsrias mais mntimas, mais efjmeras, das mudangas sociais".

Foram basicamente estas razues que levaram Volochinov a criticar Saussure e suas dicotomias abstratas. Volochinov considerava primario elaborar uma matriz lingumstica que cobrisse todos os fatos da lmngua, pois esse modelo abstrato oculta o fato de que a lmngua praticada por indivmduos dentro de uma sociedade cortada por conflitos e choques. A lingumstica saussuriana e seu respectivo objetivismo abstrato, que ele pensava estar afastada dos procedimentos da filologia, na realidade, apenas o perpetua. A idiia sempre reiterada de que o corpus, fundamento da lingumstica descritiva e funcionalista, conduz ao descritivismo abstrato e reduz o signo a um mero sinal normativo.

Abrindo um pouco mais esta discussco, Gisile Freund coloca "que toda a variagco na estrutura social influi tanto no tema, como nas modalidades de expressco artmstica. No siculo XIX, era da maquina e do capitalismo moderno, notou-se como se modificava nco ss o carater dos rostos nos retratos, como tambim a ticnica da obra de arte". (Freund, 1982, p.8)

Sabemos que as superestruturas evoluem muito mais lentamente que as infra-estruturas, e, dessa forma, foi preciso mais de meio siculo para que a modificagco ocorrida nas relagues de produgco fizesse sentir seus efeitos em todos os dommnios da cultura. Assim, as transformagues das formas de representagco sco resultantes de uma necessidade social muito especmfica, gerada pelo processo histsrico pertinente, vinculada ` ascensco burguesa em seu apogeu mercantilista.

O renascimento mercantilista ja tinha langado suas primeiras sementes para que o advento industrial pudesse multiplicar em larga escala esta nova concepgco de mundo e finalmente gerar profundas transformagues em todos os segmentos da sociedade.

O racionalismo cartesiano e o empirismo cientifista de Bacon, que sintetizaram a concepgco de mundo renascentista, nco poderiam estar alheios a este processo. As prsprias teorias positivistas tambim nco iriam durar muito, justamente por nco considerarem a dialitica inerente a essas transformagues.

As premissas "refletir e refratar", propostas por Volochinov, longe de serem uma metafora mecanicista, aplicada aos princmpios fmsicos da luz, refletem o prsprio desenvolvimento do pensamento humano, ja incorporado na ideologia industrial. A prspria fotografia nos demonstra isto, ja que a cbmera "reflete a realidade" por meio do filme e a objetiva "a refrata", pois modificam e manipulam o sentido da informagco luminosa. Assim, temos uma sensmvel mudanga do mundo vismvel no "sentido etimolsgico mais primordial, como qualquer corpo cristalino". (Machado, 1984, p.26)

Presenciamos, entco, que os postulados de Volochinov ultrapassam as fronteiras dos territsrios pelos quais foram concebidos. A sintaxe visual renascentista introduziu nos sistemas pictsricos ocidentais a ilusco de um "efeito de realidade" e fez com que os pintores, escultores e desenhistas se empenhassem com todos os recursos ticnicos disponmveis para produzir um novo csdigo de representagco que estivesse em melhor sintonia do "real vismvel", e que fosse, portanto, a sua mais perfeita analogia.

-- Enio Leite (focus@focusfoto.com.br), February 19, 2000


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